Notícia: Pesquisa aponta recuperação do atraso nas aprendizagens durante a pandemia como um dos desafios para o governo federal

Pesquisa aponta recuperação do atraso nas aprendizagens durante a pandemia como um dos desafios para o governo federal

O levantamento da D³e identificou um atraso médio de quatro meses no ensino de crianças na fase pré-escolar da cidade do Rio durante o isolamento social

“No começo foi difícil. A Sophia estava aprendendo muito, mas depois desse período em casa (por causa da pandemia de covid-19) parece que atrasou o aprendizado dela”. Esse relato foi feito por Raquel Cristina, 33 anos, mãe de duas estudantes que estavam na pré-escola durante o período de isolamento social.

Em média, houve perda de quatro meses na aprendizagem de alunos no último ano dessa faixa escolar na cidade do Rio de Janeiro. O dado, originalmente publicado pela UFRJ (em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal), faz parte de um compilado de estudos feito pela associação Dados para um Debate Democrático na Educação (D³e).

A perda no aprendizado dos estudantes cariocas foi calculada, no período que vai de abril a dezembro de 2020, com foco nas disciplinas de língua portuguesa e de matemática. Nesse período, as crianças do segundo ano da pré-escola aprenderam apenas 64% dos conteúdos de matemática absorvidos por quem frequentou a mesma classe no ano que antecedeu a pandemia. No primeiro ano de isolamento social, o mesmo grupo de alunos reteve 66% dos conhecimentos de linguagens desenvolvidos por quem estudou em 2019.

A acentuada perda nas aprendizagens durante a fase pré-escolar se deve ao fato de o isolamento social ter atrapalhado esse período em que as crianças estão mais estimuladas a adquirir novos conhecimentos. “Elas estão no momento que têm uma aprendizagem muito rápida e tiveram menos possibilidade de ter algum contato com a escola”, observa Mariane Koslinski.

Iniciada antes da pandemia, em 2019, a pesquisa, da UFRJ e da fundação, já acompanhava estudantes da cidade do Rio e de Sobral, no Ceará, onde a perda média de aprendizado chegou a seis meses. Dessa forma, o estudo pôde comparar os desenvolvimentos das crianças nos período de pré-pandemia com o de restrições.

Um problema que vai da infância à adolescência

Uma sala de aula com cadeiras vazias
Foto: RODNAE Productions

Para Raquel - mãe citada no início desta matéria -, uma das principais queixas sobre os impactos do período pandêmico na educação de suas filhas é a adversidade que uma delas teve de enfrentar para reconhecer cores e números. “Ela (Sophia) começou a ter dificuldade de diferenciar cores e de identificar números. Tudo o que ela já estava aprendendo na escola, passou a ter dificuldade depois que começou a ficar em casa”, conta.

Moradora de Mesquita, município da Baixada Fluminense do Rio, Raquel viu as duas filhas, Sophia e Ana Carolina, 4 anos, terem que enfrentar os desafios do ensino remoto sem ter acesso a um serviço de internet nos primeiros meses de pandemia. Sem perspectiva de inclusão digital, a mãe comparecia a cada três semanas na Escola Municipal Margarida da Silva Duarte, no mesmo bairro, para pegar apostilas com exercícios escolares. Somente depois de seis meses, as atividades passaram a mesclar mensagens de WhatsApp com raras videoaulas.

Desde março do ano passado, as rotinas presenciais foram retomadas. Agora, Sophia aguarda o início do primeiro ano do ensino fundamental, mas sua mãe acredita que ela terá desvantagens. “Ela vai para o primeiro ano, mas não tem muita noção ainda das palavrinhas. O próprio nome, por exemplo, ela veio aprender há pouco tempo. Eu acredito que ela não está preparada”, avalia Raquel.

Esse problema não foi exclusividade de Sophia. De acordo com o estudo divulgado pela D³e, cerca de 60% das crianças no segundo ano da pré-escola conseguiram identificar 18 letras de um teste em 2019. No ano seguinte, o montante caiu para 45%. No que diz respeito ao vocabulário, 56% dos alunos acertaram 20 palavras no ano pré-pandêmico. Já, em 2020, somente 43% reconheceram a mesma quantidade de termos.

Produzido pelos pesquisadores Mariane Koslinski e Tiago Bartholo, o Levantamento aponta uma tendência que vale para outras redes e etapas do ensino. Em junho de 2021, o Instituto Unibanco, junto ao Insper, já haviam publicado um estudo que mostrou a perda de 9 a 10 pontos na proficiência em língua portuguesa e matemática entre os estudantes do ensino médio, comparado com o que iriam alcançar caso não tivessem migrado para as aulas remotas.

O programa Conexão abordou este assunto em novembro do ano passado. Durante a entrevista, o presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, lembrou que não existe receita pronta para a recuperação das aprendizagens, mas disse ser possível enfrentar esse problema por meio de muito diálogo e avaliação. “Eu digo que não são perdas irreparáveis, (mas) são perdas que precisarão de muito trabalho, muito foco, muito esforço para, no médio e longo prazo, transformarmos e construirmos novas formas de aprendizagens, novas pontes de conhecimento”, afirma avalia o educador.

Soluções enviadas para o governo federal

A fachada do prédio do Ministério da Educação
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Com base nos resultados, o levantamento da D³e apontou sugestões ao enfrentamento dos problemas educacionais acentuados durante a crise sanitária da Covid-19, com o objetivo de apresentá-las ao governo de transição. Uma das principais recomendações é a criação de políticas públicas voltadas às crianças mais novas, que estejam em fase de alfabetização e em situação socioeconômica de vulnerabilidade.

Outras soluções também foram apontadas, como o foco em programas para recuperar as aprendizagens, criação de projetos para a redução da evasão escolar e investimento em iniciativas de saúde mental de alunos e profissionais de educação. Além disso, o estudo incentiva a realização de mais diagnósticos e monitoramento dos problemas educacionais agravados por causa da pandemia.

Além do estudo da UFRJ, a associação também incluiu no levantamento a tradução do relatório norte-americano Reimagine and Rebuild: restarting school with equality at the center (Reimaginar e reconstruir: volta às aulas com a equidade no centro). Houve ainda a adição de um relatório, previsto para ser lançado em março de 2023, derivado do artigo que trata da gestão dos municípios brasileiros.

O contato para o compartilhamento dos dados foi feito em uma reunião com o coordenador de educação na equipe de transição do governo, Henrique Paim. Em seguida, a associação seguiu os procedimentos estabelecidos para entrega das produções. “A gente encaminhou por esse canal que eles (equipe de transição) estabeleceram como sendo o oficial para o recebimento das contribuições de todas as entidades e organizações que pudessem contribuir com o material que eles estavam produzindo”, conta Antonio Bara Bresolin, diretor-executivo da D³e.

No relatório produzido pelo gabinete de transição governamental, a recuperação do atraso nas aprendizagens decorrentes da pandemia não foi mencionada diretamente. Por outro lado, um trecho do documento fala sobre a urgência da recomposição orçamentária na educação depois de uma série de cortes da última gestão.

“O valor previsto no orçamento de 2023, descontadas as transferências obrigatórias aos entes subnacionais para a educação básica, é inferior em R$ 18,5 bilhões à média do valor comprometido no período 2015-2021, e inferior em R$ 9,2 bilhões ao de 2021, que já havia sido o pior ano de toda a série. É urgente, portanto, recompor o orçamento do MEC, considerando as prioridades do novo governo e as principais emergências orçamentárias identificadas”, diz um trecho do documento.

A equipe de reportagem do Canal Futura entrou em contato com o Ministério da Educação (Mec) para saber como as soluções propostas pela associação referente aos problemas educacionais decorrentes da pandemia de Covid-19 estão sendo avaliadas. Mas, até o momento, não obtivemos retorno.

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