Artigo: O que as juventudes querem de natal?

O que as juventudes querem de natal?

Há um ano viralizava nas redes sociais uma carta de pedidos para o Papai Noel. Uma criança de 8 anos participando de uma campanha dos Correios fez muito mais do que escrever uma carta de simples desejos. Micaela de 8 anos, moradora do Complexo do Salgueiro descreveu em seu bilhete o amanhecer triste de sua comunidade com a chacina que vitimou 20 pessoas. Em uma frase simples, porém profunda, a menina resume cenas terríveis e seus impactos “Hoje o dia amanheceu muito triste aqui em Itaúna no Complexo do Salgueiro em São Gonçalo RJ, os policiais mataram 20 pessoas e jogaram no mangue e meus amigos não tem mais seus papais”.

Me recordo de ao ler essa notícia ficar extremamente impactada. Não à toa retomo o tema depois de tanto tempo. As palavras de Micaela, que depois seguem pedindo ao bom velhinho por dois pares de patins (um para si e outro para sua irmã que já não tem mais idade para participar da campanha dos Correios) e compartilhando que seus pais estão desempregades, são palavras que me chegam como flechas.

Flechas que amolam o peito ao lermos e pensarmos sobre como a perversidade do racismo, do ódio de classe e da violência de Estado transpõem mesmo a ingenuidade da infância. Flechas que se alojam nas feridas escancarando as problemáticas que impedem uma criança de sonhar livremente com realidades que não se definam pela dor desde tão cedo. Flechas que apontam para os caminhos que precisamos trilhar como sociedade para que nenhuma criança precisa pedir, ainda que indiretamente, por paz em sua carta de pedidos de natal.

Sendo uma jovem mulher negra de axé, sempre me aproximo e busco aprender das sabedorias infinitas que Orixás nos entregam. Oxóssi rei das matas nos convida a refletirmos sobre onde semeamos nossas caças, quais vitórias queremos levar para casa, para qual direção apontamos nossas flechas.

Eu não imagino que seja ousadia dizer que nossas flechas devem se apontar guiadas pelos sussurros de ancestrais e pelas vozes de Erês como Micaela. É simples como ter um pai ou não para passar o natal em família. Os desejos mais singelos carregam mundos em si. Possibilidades de outros futuros que ainda podem ser escritos.

A juventude começa nesse espaço, da infância, do sonho, da inventividade e da sensação de que podemos mudar o mundo escrevendo uma carta a Noel. Para todes nós já mais crescides, que sabemos que os presentes chegam até a árvore comprados com o dinheiro suado de adultes que trabalham durante todo ano, o recado é simples: organizemos nossas energias, façamos nossos apertos para propiciar outros pactos de civilidade e bem-viver para todes.

Que futuras Micaelas escrevam sobre os sonhos doces da infância, que jovens negres possam comemorar seus natais, que Agatha, Marcos Vinicius e João Pedro sejam estelas lembradas, porém narrativas jamais repetidas. Que haja um natal de sonho e um ano novo de potências substituindo a palavra dor cada vez mais no vocabulário de nossas juventudes Brasil afora.

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