Notícia: Barbado sem acesso

Como os moradores da comunidade de Barbado enfrentam os desafios de acesso ao universo digital

Na zona rural do município de Arari, no Maranhão, os moradores da pequena comunidade Barbado encontram desafios diários para acessar seus direitos básicos. Sem escola, unidade de saúde, sinal de telefonia móvel, saneamento básico e estrada asfaltada, as cerca de vinte famílias que habitam o território vivem isoladas, sofrendo também de exclusão digital: sem conectividade, a população em situação de vulnerabilidade social precisa ir até a cidade a cerca de 15 quilômetros para ter acesso a benefícios que são acessados por meio dos aplicativos oficiais do governo federal. Nessa série de reportagens, a bolsista Adriana Menezes detalha as dificuldades que a comunidade enfrenta

Antônia Falcão: a voz que conecta a comunidade Barbado ao mundo

Dona da única antena de conexão de internet em vizinhança no interior maranhense luta por acessos e direitos

Por Adriana Menezes

Enquanto todos estão sentados ao redor de uma mangueira, no centro da Comunidade Barbado, no interior do Maranhão, Antônia Jesus Falcão, 36 anos, moradora e uma das vozes do local, se aproxima com um sorriso no rosto.

Barbado é uma localidade pequena do município de Arari com aproximadamente 25 famílias moradoras, grande parte composta por adultos e idosos. No vilarejo, dona Antônia tem bastante representatividade nas discussões e planejamento de melhorias. Um dos últimos benefícios conquistados é o poço artesiano. Uma conquista alcançada por meio de um projeto da Vale.

Antônia é nascida e criada em Barbado, que fica a 166,7 Km de distância da capital maranhense e está situada no município de Arari-Maranhão, território que possui um dos menores índices de desenvolvimento humano do estado do Maranhão (IDHM 0,626).

: Foto da Dona Antônia com os três filhos, as duas garotas moram e estudam em outra localidade.
“Aqui sou eu no momento mais feliz da minha vida ao lado das 3 pessoas que não me deixam desistir nunca”. Foto: Arquivo Pessoal

Seguindo a trajetória da falta de conexão digital, dona Antônia possui a única antena de conexão de internet via satélite na comunidade. A antena foi instalada por um representante na cidade de Itapecuru, município que fica a aproximadamente 74,1 Km de distância de Arari.

“Essa internet que eu tenho aqui serve para todos. As pessoas da comunidade vêm pra cá para falar com suas pessoas que estão longe, em outros estados, que devido às dificuldades se deslocam para outros lugares para trabalhar”, conta.

A linha que conecta a todos denuncia também o êxodo ocorrido em comunidades que enfrentam inúmeras dificuldades estruturais e extrema pobreza. A conexão da dona Antônia com os moradores vai muito além do compartilhamento do único acesso de internet de Barbado.

Por ser um ponto via satélite compartilhado com todos os moradores, o acesso é bastante precário, impossibilitando a utilização de aplicativos essenciais, como o Auxílio Brasil, benefício concedido pelo Governo Federal a famílias de baixa ou nenhuma renda. “As pessoas não conseguem acessar aplicativos dentro da comunidade, somente na cidade (Arari)”, diz Antônia.

Imagem da única antena que faz a conexão com a Internet (via satélite) na comunidade Barbado e está localizada no alto da residência de Dona Antônia
Imagem da única antena que faz a conexão com a Internet (via satélite) na comunidade Barbado e está localizada no alto da residência de Dona Antônia. Foto: Arquivo Pessoal

A falta de acesso na estrada também faz com que os recados de quem acessa a internet não cheguem rapidamente aos moradores de outras regiões. Mensagens e avisos importantes demoram a ser transmitidos para os moradores de outras comunidades, já que percorrer mais de 2 km a pé é a única opção.

Dona Antônia possui sonhos pessoais reais como voltar a estudar. “Eu tenho muita vontade de fazer cursos à distância, EAD, mas devido a internet não consigo”, desabafa. 

Dona Antônia no quintal de sua casa
Dona Antônia no quintal de sua casa. Foto: Arquivo Pessoal

Diariamente, dona Antônia encara um percurso de 40 minutos para ir até Arari, onde trabalha em um órgão da prefeitura, e outros 40 minutos para voltar para casa. São mais de 30 km de deslocamento diário por conta da falta de trabalho em Barbado e comunidades vizinhas. Um custo de R$ 250 mensais com combustível para se deslocar na moto.

“Tudo que a gente precisa aqui na comunidade tem que ser na cidade, porque não tem nada aqui . Não tem farmácia, medicação, não tem nada! As UBSs (Unidade Básica) não arrumam medicação. Se a gente quer um exame ou uma consulta não consegue, tem que ir na cidade.”

Na Barbado, sem escola, unidade de saúde, sinal de telefonia móvel, saneamento básico e estrada asfaltada, um dos grandes desafios é enviar as crianças à escola no inverno, quando as chuvas, que ocorrem entre dezembro e maio, inundam as vias. Os estudantes precisam andar mais de 2 km para pegar o transporte escolar.

“Já fizemos várias reivindicações e nunca fomos atendidos, tenho vídeos que mostram essas dificuldades, tenho foto das crianças com dificuldade para ir para a escola, pois não estudam aqui. Apenas as crianças de 3 a 12 anos conseguem estudar na comunidade vizinha”, relata.

Crianças da comunidade a caminho da escola
“Aí são as crianças aguardando o transporte depois de andar quase 2 km no período do inverno”. Foto: Arquivo Pessoal

Exclusão social e exclusão digital, dois lados da mesma moeda!

As desigualdades sociais estão diretamente relacionadas à exclusão digital. Na comunidade de Barbado, os moradores vivem de pesca e de pequenas agriculturas familiares, mas apenas para consumo próprio, pois devido à distância não conseguem ir para cidade vender seus produtos. Dona Antônia relata que falta apoio de diversos setores.

“A gente não tem uma pessoa que olhe pra gente e fale: ‘Ó vocês vão fazer isso e a gente vai conseguir comprar da mão de vocês’. A gente planta e colhe, mas só pro sustento próprio, a gente não tem pessoas que olhem em prol da nossa comunidade. A gente sofre muito, muito mesmo”, desabafa.

Crianças de várias comunidades de Arari participando de Ação Social com doação de brinquedos.
“Essa sou eu fazendo ação nos meus momentos vagos”. Foto: Arquivo Pessoal

Além das crianças, os invernos também castigam a população, que isolada, se vê sem acesso a alimentos, medicamentos e outros itens essenciais. Antônia sonha com o dia em que Barbado terá não apenas conexão com o mundo, mas também o básico para que todos possam viver com dignidade. 

“Hoje, temos um objetivo, conseguir a nossa estrada e uma internet de qualidade para irmos atrás de projetos para as nossas crianças e estamos unidos para essa luta”, conclui Antônia.

Dona Antônia participando de evento em prol da defesa dos direitos das crianças e do adolescente promovido pelo CMDCA.
“Aqui eu estava em um evento do CMDCA no qual eu sou voluntária”. Foto: Arquivo Pessoal

Esta reportagem foi desenvolvida por meio da iniciativa Bolsa-Reportagem, parte da cooperação técnica entre a Vale e o Canal Futura, com o objetivo de fomentar a produção e amplificar o alcance de informações e conteúdos sobre o enfrentamento à pobreza extrema.

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