Celular nas escolas: secretarias se posicionam sobre uso de telas
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Medida que restringe o dispositivo em sala de aula tem causado polêmica na comunidade escolar
Nas últimas semanas, algumas secretarias de educação têm restringido o uso de dispositivos eletrônicos nas escolas. A Prefeitura do Rio de Janeiro emitiu um decreto no último dia dois de fevereiro que suspende o uso do celular nas dependências dos colégios. A medida foi publicada no Diário Oficial e terá um período de 30 dias para conscientização e adaptação, quando serão realizadas oficinas com professores e alunos para que possam se acostumar à nova realidade. Já em São Paulo, a proibição foi no acesso às redes sociais pela internet das escolas estaduais. Essa restrição, que valia desde março do ano passado para os alunos, agora foi estendida para o corpo docente e demais funcionários.
A tecnologia em sala de aula, a princípio, chegou com a promessa de revolucionar as metodologias de ensino tradicionais, mas algumas entidades, como a UNESCO, alertam sobre a exposição excessiva de crianças e adolescentes às telas. Segundo o relatório de monitoramento global emitido em 2023 pelo Grupo de Monitoramento da Educação, as ferramentas tecnológicas em sala de aula podem ser benéficas, mas quando aplicadas às práticas pedagógicas. Nesse sentido, o documento evidenciou que a proximidade de um aparelho celular é capaz de distrair os estudantes e provocar impacto negativo na aprendizagem.
Os dados desse relatório serviram de base à proibição dos celulares no município do Rio de Janeiro. O secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha, afirma que os objetivos da medida envolvem a capacidade de aprendizado, concentração e a interação entre os alunos: “Os objetivos são pedagógicos e sócio emocionais. A cada notificação recebida no celular é como se o aluno saísse da sala de aula ou da roda de conversa. Não tem como se concentrar e ter um aprendizado adequado assim. O nosso objetivo, nesse sentido, é o de melhorar a capacidade de concentração dos estudantes nos estudos. A gente quer também que nossas crianças brinquem, conversem e interajam pessoalmente com seus colegas nos intervalos, e não que vão correndo para as redes sociais”.
No mundo, países como França, Holanda, Canadá e Estados Unidos possuem restrições quanto ao uso dos eletrônicos. Fatores como distração, isolamento social e queda no aprendizado foram apontados como motivo de preocupação. Para a coordenadora de Educação da UNESCO, Rebeca Otero, é preciso ter atenção com o uso da tecnologia: “Nós temos que promover cada vez mais o uso pedagógico para que esses equipamentos sejam usados em favor da educação, não contra a educação. Se a gente deixa livre, o estudante acaba não utilizando para fins pedagógicos, ou para pesquisa ou para grupos de discussões do tema da aula, mas ele entra em outros assuntos, em conversas paralelas e aí acaba se dispersando e aprendendo menos”.
Falta de infraestrutura nas escolas
A professora Erika Arantes é mãe de uma adolescente de 12 anos e recebeu a nova determinação da prefeitura carioca com apreensão: “Não discordo que o celular de uma maneira geral tem se tornado cada vez mais um problema, acho que é uma questão que todo mundo concorda e deve ser conversado, debatido, um ponto negativo é a questão da maneira como se propõe o debate”. Ela chama a atenção para a falta de estrutura da escola para lidar com a nova realidade. “É impossível ligar para lá, às vezes preciso dar um recado, mas ligo e ninguém me atende. Se eu não tenho o recurso do celular dela para deixar uma mensagem, eu não tenho comunicação com a escola porque a escola não tem pessoal”, explica.
Antes de entrar em vigor, uma consulta pública recebeu mais de 10 mil respostas da sociedade civil, com 83% das pessoas sendo favoráveis à proibição do uso de celulares durante todo o horário escolar. Segundo Renan Ferreirinha, essa restrição já havia sido feita no ano passado, tendo uma boa recepção por parte dos professores e responsáveis dos alunos: “O que fizemos agora foi ampliar a proibição para o recreio e intervalos, visando melhorar a interação social entre os alunos e fazer com que eles se desapeguem dos aparelhos, mesmo quando não estiverem em aula. Escola deve ser lugar de aprendizagem e interação humana. Por sinal, estamos usando o mês de fevereiro como período de conscientização para que os alunos se acostumem e entendam a importância das novas medidas que começam a valer a partir de março”, afirmou o secretário.
Especialista em Direito Educacional, Alynne Ferreira ressalta que a escola possui autonomia para tomar decisões, desde que sejam feitas com transparência: “A escola tem o direito a criar o seu processo pedagógico de acordo com o que ela acha mais interessante, com os parâmetros teóricos que ela vai seguir. A gente chama isso de exercício regular do direito, garantido pela lei de diretrizes e bases”.
O debate acerca do tema é amplo e esbarra em questões como o código de ética e regulação do uso. Segundo o Mestre em inteligência artificial e ética, Alexandre Le Voci Sayad a restrição é complexa: “Acho que existe coisas no meio do caminho, como a criação de um código de ética em conjunto com os alunos. Proibir é o que a escola sempre fez, na história da educação é o que ela mais faz. (É necessário) Discutir isso na sociedade, trazer um código de ética, entender os momentos do uso do celular, começar a pensar uma regulação disso sobre todas as esferas, inclusive sobre as Big Techs, tem uma cadeia de questões que proibir acaba sendo mais fácil”.
De acordo com Rebeca, o diálogo é ponto chave da discussão: “Vivemos um dos momentos mais complicados de violência dentro das escolas, tivemos uma série de episódios de violência e é muito importante pros pais terem um canal de comunicação com os filhos, para que eles possam se comunicar rapidamente, ter notícias. Tem uma série de questões relacionadas à segurança que o celular trouxe um certo conforto”. Contudo, ela enfatiza a necessidade de utilização crítica, com responsabilidade: “As escolas têm que fornecer aos estudantes uma educação midiática e informacional. O aluno precisa aprender dentro da escola a identificar fontes verídicas, notícias falsas, precisa aprender a checar informações que ele colhe na internet”, conclui.
No município do Rio de Janeiro, os celulares ainda poderão ser utilizados em casos específicos: com autorização dos professores para fins pedagógicos ou da gestão escolar quando as atividades forem interrompidas. Além disso, pessoas com deficiência ou necessidade de saúde terão o uso irrestrito e alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) podem utilizar nos intervalos. O secretário municipal de Educação pontua que a medida não consiste em ser contra as tecnologias, mas pôr limites ao uso delas nas salas de aula: “Não que os celulares não possam ser usados para o lazer, mas é necessário que a gente ensine limites. A gente não é contra o uso da tecnologia da educação, mas é preciso que ela seja utilizada de forma consciente e responsável. Do contrário, ao invés de ser uma aliada, a tecnologia passa ser uma vilã do processo educacional”.