Notícia: Conheça a escola de Educação de Jovens e Adultos da Fundação Roberto Marinho

No Dia da Educação, professores e estudantes compartilham memórias, experiências e sonhos

Uma mulher negra, de pé, no centro de uma sala de aula
Marinete Loureiro é professora da escola da Fundação Roberto Marinho há oito anos e dá aulas na Maré

Desde 2011, a Fundação Roberto Marinho mantém uma escola de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Por meio de uma metodologia própria, que possibilita a otimização do currículo e a aceleração da aprendizagem, os alunos podem concluir o ensino fundamental ou o ensino médio em dois anos. Mais de 2.400 jovens e adultos já passaram pela unidade. No Dia da Educação, convidamos você a conhecer a escola da Fundação Roberto Marinho! 

Antes de ser professora da Educação de Jovens e Adultos (EJA), Marinete Loureiro foi aluna. Ela terminou os estudos na modalidade depois de quase duas décadas afastada da escola. Para seguir o sonho de ser professora, sabia que precisaria chegar à universidade. A graduação em História foi feita no contraturno do trabalho na limpeza. Marinete se formou com 43 anos, fez pós-graduação, mas as portas continuavam fechadas. "Naquela época o preconceito era muito forte, era raro você ver um professor negro”, lembra.  

A primeira oportunidade na docência chegou apenas há oito anos, quando Marinete começou a trabalhar como professora da escola da Fundação Roberto Marinho. Por ter trilhado este caminho, conhece de perto muitas das dificuldades enfrentadas pelos estudantes da EJA. Entende, também, a importância de incentivar e acolher os sonhos, às vezes esquecidos. “Eu falo com meus alunos que eles podem ir além. Eu tenho vários ex-alunos que fizeram curso técnico, tem gente na universidade. Eu não desisto deles”, diz.  

Uma das alunas de Marinete é Suelen da Costa, de 36 anos, moradora da Nova Holanda, no Conjunto de Favelas da Maré, zona norte do Rio. Ela voltou a estudar quase 10 anos depois de ter parado pela última vez e hoje busca terminar os estudos para fazer uma faculdade de fisioterapia. “Eu queria abrir um consultório popular aqui na comunidade para atender quem não tem condição de pagar um fisioterapeuta”, explica. 

Suelen parou de estudar no ensino médio, aos 27 anos, quando engravidou do primeiro filho. Essa não era a primeira vez. Desde a adolescência, Suelen reprovou e saiu da escola algumas vezes porque precisava trabalhar. Ela conta que o filho, hoje com 9 anos, sempre pergunta o porquê de ela ainda estudar. "Eu falo para ele que eu não estudei quando era novinha porque eu tive que trabalhar cedo e isso não foi legal. Digo que ele tem que estudar e trabalhar depois, dar prioridade à escola", explica. "Se eu sou a adulta e estou estudando, quero uma melhoria de vida, acho que ele vai querer estudar também e se espelhar em mim”, avalia Suelen.  

Daqui a alguns meses, Suelen e todos os estudantes da escola da Fundação Roberto Marinho vão concluir os estudos, no ensino fundamental ou no ensino médio. Além de retornar à sala de aula, a permanência é um dos grandes desafios para os estudantes da educação de jovens e adultos. 

“A gente precisa criar uma sala de aula que seja muito acolhedora, atrativa e inclusiva, onde possamos trabalhar os componentes curriculares, mas que também seja possível o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, do resgate social dessas pessoas”, destaca Renan Silva, diretor da escola. 

A dificuldade em conciliar trabalho e estudo ou a ausência de renda são problemas comuns. No caso das mulheres, há ainda outros fatores como a necessidade de cuidado dos filhos ou de parentes, tarefas domésticas e gravidez. Todas essas questões dificultam o retorno e a permanência na escola.  

Há cinco anos como diretor escolar, Renan observa que muitos estudantes trazem experiências negativas em relação ao tempo de escola. “A maioria, quando se matricula, apresenta problemas de autoestima, falta de confiança e eles têm gatilhos emocionais muito negativos relacionados à vivência deles com a dinâmica escolar. Então, eles têm muitos traumas, por serem vistos ou não vistos dentro da escola”. 

Para a professora Marinete, afeto e compreensão da realidade de cada estudante são fundamentais para a construção de experiências positivas com a escola e com a educação. “Eu faço questão que eles se sintam importantes. Eu chego na sala todos os dias, vejo quem está faltando, ligo, mando uma mensagem. Eu vou atrás, faço uma busca ativa e tento saber o porquê o aluno não veio”, conta a professora Marinete.

Uma mulher negra de pé ao lado de um grupo de estudantes sentados juntos,
Professora Marinete com sua turma de EJA do Ensino Médio, na Maré. No canto direito, está a aluna Suelen da Costa. Foto: Arquivo pessoal

Marinete dá aula para uma turma de ensino fundamental e outra de ensino médio. Elas funcionam como classes descentralizadas, isto é, salas de aula que existem fora da sede da escola. Parte dessas aulas é realizada na comunidade Nova Holanda, em parceria com a Redes da Maré, e a outra parte acontece na comunidade Rubens Vaz, em um espaço cedido pela associação de moradores. Ambas as turmas estão localizadas no Conjunto de Favelas da Maré, onde funcionam, ao todo, seis turmas.  

Além dos desafios comuns à EJA, as turmas da Maré enfrentam um desafio a mais: a violência. No ano passado, entre janeiro e setembro, os alunos da Maré perderam 28 dias de aula por conta de operações policiais. É um prejuízo que se estende a várias esferas da vida do morador, inclusive na saúde mental. “Por mais que seja desafiador, isso mostra como é importante a gente ter a escola nesse território, trazendo uma oportunidade para as pessoas que não puderam concluir a educação básica”, destaca o diretor escolar.  

De acordo com Renan, o modelo de classes descentralizadas permite que a escola chegue a territórios que precisam da oferta da EJA, além de ser uma possibilidade de aproximar o ensino da residência ou do local de trabalho dos alunos, facilitando a frequência e a permanência. A escola da Fundação Roberto Marinho, atualmente, tem turmas na Maré, em Del Castilho, na zona norte do Rio, e no bairro Porto da Pedra, em São Gonçalo. 

A contadora de histórias 

Há quase 10 anos, Daiana Jardim dá aula para jovens e adultos da escola da Fundação Roberto Marinho. Ela trabalha nas turmas de São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Formada em Matemática pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ela dá aula para alunos do ensino fundamental e do ensino médio.  

Em cada sala de aula, o perfil dos alunos reflete a diversidade e os desafios da educação de jovens e adultos no Brasil. O estudante mais novo tem 16 anos e o mais velho quase 60. Há quem saiu da escola há pouco tempo e, também, aqueles que já estão há décadas afastados dos estudos. Às vezes os alunos têm dificuldade de conciliar o trabalho e o estudo e tem, também, aqueles que, pela falta de trabalho e renda, enfrentam ainda mais desafios para permanecer. 

Mulher de cabelos cacheados, blusa branca, em pé no centro de uma sala de aula
Daiana Jardim está há quase dez anos na escola da Fundação Roberto Marinho e dá aula nas turmas de São Gonçalo

Para contar sobre sua vivência em sala de aula, Daiana passeia pelas histórias de seus alunos. A concretude das vidas alcançadas e transformadas por esse trabalho traz para ela a certeza sobre seu lugar. Ela lembra de Osvaldo, um senhor que chegou a sua turma de ensino fundamental com 73 anos. “Um dia estávamos conversando e ele se emocionou bastante, disse assim: professora, eu entrei na escola porque, uma vez, estava trabalhando e debocharam de mim. Eu não quero mais passar por isso”. 

Depois de concluir o ensino fundamental, Osvaldo cursou o ensino médio e, em 2018, quase 60 anos depois de abandonar os estudos, ele concluiu a educação básica. Essas histórias emocionam a professora: “estar na sala de aula da EJA é algo que me realiza como profissional e pessoa. Eu acredito muito na escola, nessa forma de ensinar e trocar conhecimento”. 

Paulo Freire é uma figura importante para entender a metodologia da escola. Referência no mundo todo, o pedagogo fala sobre uma educação alinhada ao cotidiano das pessoas, que ensine sobre autonomia e, principalmente, reconheça os saberes que cada um traz consigo. Isso é especialmente relevante no contexto da educação de jovens e adultos, por envolver pessoas que já trazem suas próprias experiências e conhecimentos.  

“Eu tive um aluno que era pescador. Ele olhava pela janela, bem calmo, e me chamava: professora, acho de bom tom sairmos mais cedo hoje, porque daqui a pouco cairá uma tempestade. Era dito e feito! Isso também é conhecimento”, exemplifica Daiana. 

Essa forma de entender o ensino é orientada pela metodologia Incluir para Transformar, desenvolvida pela Fundação Roberto Marinho há 30 anos e implementada em salas de aula de todo o Brasil. É uma teoria que direciona a prática docente, a construção dos materiais didáticos e até a estrutura da sala, organizada em círculo. As turmas têm apenas um professor (unidocência), que faz a mediação das aulas de todos os componentes curriculares. Isso ajuda a fortalecer o vínculo entre estudante e professor, permitindo observar e conhecer profundamente cada aluno. 

“Eu tive um aluno que toda vez que a turma estava fazendo a leitura de um texto ele saía de sala”, lembra Daiana. Quando conversou com o jovem, a professora descobriu que ele não sabia ler e escrever. Cristian dos Santos chegou à escola depois de quatro reprovações no ensino regular, na época com quase 20 anos. “Ele queria aprender e a gente trabalhou junto para fazer isso acontecer”, relata Daiana. Cristian terminou o ensino fundamental em 2023, sabendo ler e escrever, e continua estudando na escola da Fundação Roberto Marinho. Ele vai se formar no ensino médio no final deste ano. 

Um lugar especial 

“Minha mãe passou na escola e a professora chamou para conversar, falou bem de mim. A escola não chama para falar bem do aluno, só quando tem problema. Minha mãe voltou super contente”, conta Cauã Paulino, de 16 anos. Sua mãe não terminou o ensino fundamental. Foi ela quem o incentivou a terminar os estudos na EJA, após ele ser reprovado no oitavo ano do fundamental.  

Ser visto como um aluno digno de elogios não era comum. Cauã até conseguia acompanhar o conteúdo, mas frequentar as aulas era difícil. “Eu faltava muito, não tinha ânimo de ir. Agora, quando eu falto, isso tem um peso”, avalia o jovem. A escola parece um lugar mais interessante tanto pelo o que Cauã aprende do currículo, como pelas trocas com a professora e com a turma. Ele, que é o mais novo da classe, diz aprender muito com os colegas, estudantes de várias idades: “acho que isso acabou sendo muito bom para mim. As pessoas já viveram mais e acabam me ajudando”.  

Jovem negro com uniforme escolar e professora de cabelo cacheado a frente de um painel amarelo coberto por cartazes coloridos
Cauã Paulino, estudante do ensino fundamental, e a professora Daiana Jardim. Foto: Arquivo pessoal

Cauã é um dos estudantes da classe de São Gonçalo, que desde o início funciona na sede do Instituto Abraço do Tigre, uma organização sem fins lucrativos que desenvolve atividades de formação, cultura e qualificação profissional com jovens e adultos da região. 

Assim como Cauã, muitos estudantes residem próximo ao espaço, que fica a cerca de 1 hora do centro do Rio. Ainda assim, Cauã lembra de ter vindo a capital pouquíssimas vezes. A oportunidade de poder conhecer outros lugares e ter novas experiências é algo valorizado pelo jovem: “Eu nunca tinha ido ao AquaRio, ao museu do Flamengo e a gente foi ano passado. Nesses passeios eu pude conhecer mais da cidade [do Rio]”. 

Suelen, aluna da Maré, também não conhecia o AquaRio. Além dos passeios, ela destaca os vínculos construídos e a forma de ensinar da escola: “A experiência aqui da escola é diferente. Aqui a gente tem videoaula, escuta uma música, debate com os amigos da classe e as atividades são feitas em grupo. Então, a gente troca bastante”.  

A entrada de novos estudantes 

Os alunos que ingressam na Unidade Escolar da Fundação Roberto Marinho cursam a etapa de ensino, fundamental ou médio, em um formato com duração de 2 anos. As turmas atuais começaram os estudos no começo de 2024 e vão se formar no final deste ano. No início de 2026, um novo ciclo começa com a matrícula de novos estudantes.   

O diretor da escola, Renan Silva, explica que há uma idade mínima para se inscrever na escola, seguindo as normativas da educação de jovens e adultos. Para o fundamental é necessário ter, no mínimo, 15 anos e 18 para o ensino médio.  

Quando o estudante ingressa na escola, ele passa a ser acompanhado pela equipe da escola tanto do ponto de vista acadêmico, como também social. Por vezes, os alunos precisam de auxílio para acessar serviços sociais, fazer novas vias de documentos e até conseguir atendimento médico e/ou psicológico. “A escola tenta apoiar e ajudar esse estudante a se manter dentro de sala de aula, a permanecer!”, resume Renan. 

Semear sonhos e futuros 

Atualmente, o Brasil tem aproximadamente 2,4 milhões de pessoas matriculadas na Educação de Jovens e Adultos (EJA), segundo o Censo escolar de 2024. O número vem caindo ano a ano. Paralelamente, o país tem 68 milhões pessoas com 15 anos ou mais, fora da escola sem concluir a educação básica, de acordo com a Pnad Contínua. 

Cada número representa uma vida e os dados demonstram o tamanho do desafio, coletivo, de garantir a inclusão educacional, o enfrentamento às desigualdades sociais e o estabelecimento de uma cultura sólida de educação na fase adulta. Neste dia 28 de abril, Dia da Educação, também queremos falar sobre sonhos e possibilidades de futuro. 

“A maior parte do público da educação de jovens adultos já passou por tantas dificuldades na vida que eles não conseguem mais sonhar. É comum que eles não se reconheçam como pessoas que têm a capacidade de desejar e conquistar algo diferente daquilo que eles vivenciam. Se eu pudesse concretizar um desejo, gostaria de pedir que eles acreditassem nos seus sonhos”, diz Renan.

Homem, com barba, vestindo camisa branca a frente de um fundo marrom
Há cinco anos Renan Silva trabalha como diretor na escola da Fundação Roberto Marinho

Sonhos como o de Cauã que deseja fazer faculdade de educação física e, depois de formado, trabalhar dando aulas. Ou aspirações como as de Suelen que quer fazer um curso no ensino superior, abrir um negócio próprio no lugar onde mora, para ter sua renda e ajudar a comunidade com a oferta de serviços à preço popular.   

Para esses e tantos outros sonhos se transformarem em um futuro possível é preciso superar muitas barreiras. Apoio e acolhimento são o sonho de Marinete para os estudantes da EJA. “Eu desejo que eles tenham mais oportunidades, que os seus direitos sejam garantidos. O aluno da EJA passa por muitas dificuldades, até alimentares. Tem muitos alunos que vivem apenas com o auxílio social”, observa a professora.  

Desejo semelhante é compartilhado pela professora Daiana, que também gostaria de ver mais inclusão na educação brasileira: “Eu gostaria que, de fato, todas as pessoas pudessem ter o direito de estudar. Eu estou falando de uma escola que não seja prejudicada pela violência e de estudantes que não sejam atrapalhados pela fome. Queria que, esses estudantes, quando voltassem para casa, pudessem ter um lugar tranquilo para estudar, uma mesa para apoiar o caderno. Parece simples demais, mas tem estudante que não tem”. 

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