Fórum "A Cor da Cultura" reúne educadores, artistas e pesquisadores para retomada e ampliação do programa
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Na última sexta-feira, 30/6, aconteceu o fórum "A Cor da Cultura", no auditório da Editora Globo, no Rio de Janeiro. O evento marcou o início da nova fase do programa de educação antirracista, criado pela Fundação Roberto Marinho, há 20 anos.
O encontro, que reuniu artistas, educadoras(es), pesquisadoras(es), representantes do governo e da sociedade, promoveu a retomada do A Cor da Cultura por meio de ricos debates sobre a necessária valorização e o urgente ensino dos patrimônios histórico/culturais afro-brasileiro e indígena na Educação Básica, em apoio às Leis 10.639/03 e 11.645/08.
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A abertura do fórum "A Cor da Cultura"
A abertura do fórum esteve nas mãos (e vozes) de Maria Corrêa e Castro e Bruna Camargos, líderes de projetos na Fundação Roberto Marinho. Maria, que participou da gênese do programa, deu início à sua fala trazendo a memória de Azoilda Loretto da Trindade, intelectual negra e idealizadora d'A cor da cultura: "Vamos render nossa homenagem à coordenadora pedagógica deste projeto: Azô, presente! Ela criou uma metodologia para ser aplicada no chão da escola".
Bruna reforçou uma característica importante do programa "A cor da cultura": tudo foi realizado por muitas mãos e mentes. E complementou: "Que a gente possa, a partir de agora, honrar essa memória do programa voltando com A cor pelas estradas do país, pelas escolas".
Em seguida, João Alegria, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, abordou a força que "A Cor da Cultura" teve desde sua criação, reforçada agora neste novo momento que se inicia: "Nossa sociedade não foi capaz de se transformar o suficiente pra entender a importância da agenda da educação antirracista para um projeto de nação, do que nós somos". João agradeceu ainda a presença e o apoio de representantes do Grupo Globo, parceiros nas iniciativas e ações que compõem o Movimento LED - Luz na Educação: Cristovam Ferrara e Viridiana Bertolini, diretor e gerente de Valor Social da Globo, respectivamente.
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A fala de abertura de Zara Figueiredo, secretária da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação (MEC), lançou luz sobre a necessidade de haver posicionamento contra comportamentos racistas, permanente e constantemente, pela mídia e pela sociedade: "As Leis 10.639/03 e 11.645/08 sobreviveram aos últimos 6 anos. 'A Cor da Cultura' sobrevive também. E estamos aqui para celebrar, porque é preciso celebrar". E Zara complementou:
"Agora, precisamos dar um passo à frente; precisamos de movimentos simultâneos. Já que o racismo é estrutural, precisamos mexer com a estrutura que temos. Precisamos que o livros didáticos tenham uma versão justa da nossa história, claro, mas também de uma coordenação que monitore se isso está sendo corretamente trabalhado em sala de aula também".
João Jorge, presidente da Fundação Cultural Palmares, relembrou quando esteve no ato de criação d'A cor da cultura, ainda representando o Olodum, com companheiros do Ilê Aiyê, Milton Gonçalves e outras(os): "Para mim, educação é a base da consciência. Nos últimos 6 anos, essa estrutura que é a Fundação Palmares, criada pelo Movimento Negro, correu sérios riscos, mas sobrevivemos, reunidos com os movimentos indígenas na Bahia também".
Encerrando a abertura, Maria Corrêa convidou Zara Figueiredo, João Jorge e João Alegria para a assinatura do protocolo de intenções, que reafirma o compromisso da Fundação Roberto Marinho, do Ministério da Educação e da Fundação Palmares para a realização do programa "A Cor da Cultura".
O fórum
Com uma fala introdutória dedicada à memória d'A Cor da Cultura, Maria Corrêa convidou Ana Paula Brandão, diretora programática na ActionAid Brasil, que coordenou o programa "A Cor da Cultura" em sua origem, pela Fundação Roberto Marinho. Ana Paula chamou Wania Sant’Anna, historiadora e pesquisadora de relações raciais e de gênero.
Wania traçou uma linha do tempo, em que contextualizou os alicerces de exclusão sobre os quais nossa educação se estabeleceu, a importância das leis 10.639/03 e 11.645/08, a criação do programa "A Cor da Cultura" e os demais desdobramentos das ações e dos encontros da militância negra para que, hoje, tenhamos condições de debater e avançar sobre essas questões.
Ana Paula complementou com a memória de quando assumiu o "A Cor da Cultura" pela FRM: "'A Cor da Cultura' já surgiu assim: como uma coalisão, um encontro, um esforço coletivo". Ana contou ainda como foi o processo de criação da série de interprogramas que compunha o "A Cor da Cultura" - Heróis de todo mundo -, que mostra ao público histórias de pessoas negras que venceram, apesar dos obstáculos enfrentados, e lutaram por uma vida melhor para todas e todos.
Coube ao professor José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, uma fala sobre a parceria entre a instituição que representa e o Futura na produção desta nova fase d'A Cor da Cultura. Após a saudação a Zumbi dos Palmares, como sempre faz junto às turmas da Universidade, José destacou a importância dos 22 anos de vida da primeira universidade negra do país.
Reforçando a importância de A Cor da Cultura contemplar em seu conteúdo os contextos relacionados à população indígena, Bruna Camargos saudou a presença do Cacique Carlos Tucano, presidente do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas do Rio de Janeiro.
Zezé Motta, em participação por vídeo, relembrou o início do programa e valorizou sua retomada, para uma educação antirracista mais efetiva e permanente.
O jornalista Alexandre Henderson, da TV Globo, subiu ao palco e trouxe recordações de seus tempos de Canal Futura, de sua família e sua trajetória profissional. Com mediação de Alexandre, teve início o primeiro painel do fórum, com participação do Babalawô Ivanir dos Santos, professor doutor e conselheiro estratégico do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), de Edneia Gonçalves, socióloga, educadora e coordenadora da ONG Ação Educativa, Monica Lima, professora doutora do Instituto de História da UFRJ, e Daniel Munduruku, escritor, professor e ativista indígena do povo Munduruku.
Para Monica Lima, a avaliação do que a luta do movimento negro alcançou até aqui deve ser positiva. E o programa A Cor da Cultura é um dos sinais de que, agora, "precisamos fazer com que as Leis 10.639/03 e 11.645/08 se tornem a base para as políticas públicas brasileiras".
Edneia Gonçalves ressaltou a importância do entendimento que as leis precisam ter nas escolas: "As leis 10.639/03 e 11.645/08 precisam ser encaradas como a Lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira", disse Edneia. E foi além: "A função da escola é construir aprendizagem significativa para todas e todos. Isso só será possível se incluir, de fato, os saberes e contextos de todos os territórios, de todos os povos que compõem este país".
Precisamos, agora, inventar novos caminhos. Vamos repensar a trajetória, agregando a luta indígena. As histórias negra e indígena são e devem estar juntas.
Monica Lima
Provocado pela pergunta de Alexandre, sobre a violência contra os centros religiosos de matriz africana e o que pode ser feito para combater essa realidade, Ivanir dos Santos apontou que o caminho para a aplicação das leis nas escolas passa por distanciá-las de assuntos religiosos: "As leis não contêm esse assunto, essa conexão. Portanto, o caminho não deve ser esse, que só interessa a quem quer enfraquecer as questões raciais deste país".
Daniel Munduruku abordou a importância da lei 11.645/08 para os povos indígenas brasileiros: "Essa lei foi feita para criar uma ponte; para que o país enxergue que precisa dialogar consigo mesmo. Porque uma parcela significativa do que somos é composta pelos povos originários do que passou a ser chamado de Brasil". E foi além: "Somos um povo novo, construído a partir de muitas identidades. Precisamos abraçar isso. A grande vocação do Brasil é a nossa diversidade".
O Brasil existe porque também é terra indígena, mas não fomos educados para entender isso dessa forma.
Daniel Munduruku
Para o início do segundo painel do fórum "A Cor da Cultura", o jornalista da Fundação Roberto Marinho, Leonne Gabriel, trouxe a participação (em vídeo) da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que destacou a importância do reconhecimento das sabedorias ancestrais e da criação de políticas públicas para um futuro melhor: "Programas como A Cor da Cultura são importantes para fortalecer a presença de pessoas negras em posições de tomada de decisão", disse a ministra.
Em seguida, foram convidados ao palco: Marcio André, doutor em ciência política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Kaká Werá, escritor, professor e empreendedor social indígena, Marize Guarani, professora, presidente da Associação Indígena Aldeia Maracanã (AIAM), conselheira do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND) e membro do Parlaíndio, e Cida Bento, cofundadora e conselheira do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT).
Kaká Werá refletiu sobre o caminho trilhado desde a criação das leis 10.639/03 e 11.645/08, ilustrando o contexto por meio da história do Instituto Arapoti: "Fundado no início dos anos 90, já tínhamos esse foco de atuar na educação. O objetivo era de levar a população não-indígena a reconhecer e respeitar as sabedorias e a própria história indígena", disse Kaká, que complementou: "Quando as leis chegaram, conseguimos avançar nas décadas subsequentes, no sentido até de se fazer lei para que abríssemos políticas públicas a partir dali. Mas ainda há muito por ser conquistado".
Marize Guarani destacou a importância do reconhecimento dos territórios indígenas para fortalecimento da luta pelos direitos indígenas na educação, ilustrando sua linha de pensamento com a rede de escolas do estado do Rio de Janeiro: "O Rio nunca construiu uma escola indígena. Os professores que temos hoje não receberam formação na cultura indígena - são professores leigos. Por conta da relação que temos com a Universidade Federal Fluminense, temos o primeiro curso de formação intercultural dedicado a professores guaranis e pataxós, em Angra dos Reis", disse Marize.
Às vezes, no ônibus, me perguntam: 'Você é brasileiro?'. Na constituição de 88, deixamos de ser 'incapazes' perante a lei para passarmos a ser 'parcialmente capazes'. Há um caminho a trilharmos, ainda.
Kaká Werá
Cida Bento abordou o impacto da relação que os povos indígenas e negros do país têm com o que o pensamento europeu impõe na estrutura de nossa sociedade: "Uma criança que não se sente como pertencente daqui, e isso se materializa na escola, tende a resistir à ideia de que ela tem, sim, suas origens também nos indígenas e nos negros. Por isso, pra mim é muito importante pensarmos a branquitude e o impacto dela dentro das instituições".
A fala de Marcio André se baseou na desatualização das escolas com relação a ter conteúdos atrativos aos jovens - também em se tratando das tecnologias, mas não apenas disso: "Quando vemos que mais de 70% das pessoas que são mortas neste país são negras e negros, pensamos no que pode ser o futuro. E é com programas como 'A Cor da Cultura' que podemos aprender e avançar. Eu participei demais no início do programa", disse Marcio, que concluiu, ampliando o debate: "É um desafio não só do Brasil, mas da América Latina. Por aqui, sofremos uma brutal exclusão. Precisamos resistir e nos organizar".
A participação de Kabengele Munanga, antropólogo e primeiro professor negro da Universidade de São Paulo (USP), congolês, naturalizado brasileiro, deu-se por videochamada. Pela tela, Kabengele abordou resultados positivos que as leis 10.639/03 e 11.645/08 trouxeram para o Brasil, ilustrando sua reflexão por meio da maior participação de negros e indígenas nas grandes faculdades do país.
É a branquitude que dá o ritmo do quanto podemos avançar. Pra mim, o importante é a gente trazer também isso pr'A Cor da Cultura.
Cida Bento
Para mediar o último painel de debates do fórum "A Cor da Cultura", com foco nas culturas afro-brasileira e indígena, Larissa Luz, cantora, atriz e apresentadora do GNT, fez sua introdução tratando da representatividade: "É fundamental a gente se reconhecer, para que as pessoas possam, além de ver nossa representação imagética, respeitar a gente também".
Depois da abertura, Larissa convidou os participantes para as conversas: Sandra Benites, professora, pesquisadora, curadora e atual diretora de Artes Visuais da Funarte, descendente do povo Guarani Nhandeva, Roseane Borges, jornalista, professora e escritora, Renata Tupinambá, jornalista, curadora, roteirista e produtora, criadora do podcast Originárias, o primeiro de artistas e músicos indígenas no Brasil, e Rodrigo França, dramaturgo, ator, diretor, sociólogo e filósofo.
Larissa perguntou para Sandra sobre o uso da arte como ferramenta para imersão da sociedade na cultura indígena. Sandra lembrou de seu início no ambiente acadêmico, quando não viu representantes de seu povo ali, tampouco a reprentação de suas inquietações: "Esse processo me ajudou a entender o que é 'arte' sob o ponto de vista do homem branco ocidental, e contribuiu também pra que eu percebesse o que seria importante de apresentar como 'arte indígena'".
Roseane destacou a importância da Marcha das Mulheres Negras, em 2015: "A gente se constituiu enquanto fenômenos de vivências. Marchamos para Brasília para falarmos o que tínhamos para falar, porque somos habitantes da borda do mundo".
Pra mim, antes de discutirmos 'arte', precisamos discutir o que foi a colonização.
Sandra Benites
Rodrigo França compartilhou os desafios de ser um diretor negro no meio audiovisual: "Comandar um set com 200, 300 pessoas, sendo um diretor negro, me faz ter de explicar 'tudo' sobre qualquer coisa ou decisão que eu tome. Um diretor branco não precisa justificar certas tomadas de decisão, e eu sei que isso me é cobrado pela cor da minha pele", disse Rodrigo.
Renata Tupinambá compartilhou sua trajetória pessoal e profissional destacando as perdas familiares para a violência contra os povos indígenas, passando por sua vida acadêmica, sua experiência no meio da arte, a criação de seu filho (assim como ela, uma pessoa neurodivergente) e as tantas violências que sofre em espaços como museus e universidades.
A arte pode ser uma encantaria, mas também uma armadilha. Na minha ancestralidade, entendo a arte como encantaria; um feitiço que a gente lança no ar, que pode desarmar outros feitiços. Como a colonização.
Renata Tupinambá
Bruna Camargos, em sua última fala, destacou a maratona positiva de troca de conhecimentos que acabara de acontecer no fórum "A Cor da Cultura". Maria Corrêa e Castro complementou, reiterando que as conversas não se esgotam ali, com ações que acontecerão em encontros online nos próximos dias. Tudo será contado aqui mesmo, no Portal FRM.
Encerrado o encontro que marca a retomada do programa "A Cor da Cultura", fica a mensagem de uma profunda, necessária e permanente conexão com nosso passado, nossos povos e cultura originários, indígenas e negros, nossa identidade nativa, nossa terra, para, só assim, vislumbrarmos um futuro mais melhor.
Parafraseando Daniel Munduruku, será com base nessa "pedagogia do pertencimento" que conseguiremos repensar e reconstruir os alicerces de um país que seja, efetivamente, para todas as pessoas que aqui nascem e vivem.
Sobre A Cor da Cultura
A Cor da Cultura é um programa de valorização da cultura negra e da cultura indígena. O conteúdo audiovisual e pedagógico sobre o tema é utilizado na tela do Futura e como material de estudo e de debate em uma rede de instituições parceiras. Pra gente, é importante propor espaços de debate e falar sobre o que importa ser falado.
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Sobre a Fundação Roberto Marinho
A Fundação Roberto Marinho inova, há mais de 40 anos, em soluções de educação para não deixar ninguém para trás. Promove, em todas as suas iniciativas, uma cultura de educação de forma encantadora, inclusiva e, sobretudo, emancipatória, em permanente diálogo com a sociedade. Desenvolve projetos voltados para a escolaridade básica e para a solução de problemas educacionais que impactam nas avaliações nacionais, como distorção idade-série, evasão escolar e defasagem na aprendizagem.
A Fundação realiza, de forma sistemática, pesquisas que revelam os cenários das juventudes brasileiras. A partir desses dados, políticas públicas podem ser criadas nos mais diversos setores, em especial, na educação. Incentivar a inclusão produtiva de jovens no mundo do trabalho também está entre as suas prioridades, assim como a valorização da diversidade e da equidade. Com o Canal Futura fomenta, em todo o país, uma agenda de comunicação e de mobilização social, com ações e produções audiovisuais que chegam ao chão da escola, a educadores, aos jovens e suas famílias, que se apropriam e utilizam seus conteúdos educacionais.
Você pode assistir (novamente) ao fórum "A Cor da Cultura" aqui.