Qual o impacto da pandemia na educação infantil?
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Pesquisa feita com alunos da pré-escola de Sobral (CE) mostra os déficits da aprendizagem em matemática e linguagem, mas também indica recuperação
O fechamento das escolas trouxe vários impactos para a educação pública em diferentes dimensões. Mas quais foram esses impactos para crianças da pré-escola, entre 4 e 5 anos? As desigualdades de aprendizagem ao longo de 2020 e 2021 aumentaram? Como está sendo o processo de recomposição do aprendizado no retorno das atividades presenciais?
Para responder a essas perguntas, um grupo de professores da UFRJ realizou uma pesquisa com crianças da rede pública da Educação Infantil em Sobral (CE).
A cidade cearense é considerada a capital da educação no Brasil e possui uma das melhores redes de educação básica pública, chegando a atingir nota 9,1 no Ideb.
"Várias ações que Sobral está fazendo podem servir de guia para recomposição de aprendizagens pós pandemia, mas a cidade já tinha características diferentes dos outros municípios do Brasil ainda em 2019.”, ressalta Mariane Koslinski, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
Aprendizagem na Educação Infantil e pandemia: um estudo em Sobral (CE)
Para fazer o estudo, que teve parceria da Fundação Maria Cecília Souto do Vidigal, as crianças foram divididas em 4 grupos:
- Grupo 2019: crianças que frequentaram os dois anos da pré-escola presencialmente nas escolas.
- Grupo 2020: crianças que vivenciaram o primeiro ano de pré-escola presencialmente e 9 meses de atividades remotas no segundo ano.
- Grupo 2021: crianças que vivenciaram 16 meses de atividades remotas ao longo de toda pré-escola.
- Grupo 2022: crianças que tiveram 6 meses em atividades remotas e os demais presencialmente ao longo de toda pré-escola.
Confira aqui o estudo na íntegra
Quais foram os impactos da pandemia nas crianças da pré-escola de Sobral (CE)?
Impacto na aprendizagem
A interrupção das atividades presenciais foi prejudicial para a aprendizagem das crianças tanto em linguagem como em matemática.
Entre os meses de março e dezembro de 2020, os resultados sugerem uma perda, em termos de aprendizado, de até 6 meses em matemática, e 7 meses em linguagem.
O grupo mais afetado foi o que concluiu a educação infantil em 2021, ou seja, o que teve o menor tempo de atividades presenciais durante a pré-escola: apenas seis meses. Neste grupo, a perda é de até 10 meses em matemática, e 11 meses em linguagem.
Para o grupo de 2021, há apenas a medida ao final do ano letivo, pois no início daquele ano as escolas estavam fechadas e, portanto, não foi possível fazer a coleta de dados no período.
Por outro lado, o ponto positivo é que é possível observar um ritmo de aprendizagem mais acelerado no grupo de 2022, sinalizando uma recuperação parcial dos efeitos da pandemia.
Atraso em matemática
No ano letivo de 2019, no final da pré-escola, quase todas as crianças (99%) eram capazes de fazer contas informais (com suporte de figuras) e identificar números de 1 a 10.
Este número cai para aproximadamente 96%, em 2020, e para 87%, em 2021. Já em 2022, ele aumenta e vai para 97%.
Além disso, em 2019, 85% das crianças eram capazes de identificar números de dois dígitos, fazer contas informais mais difíceis (somar e subtrair uma pequena quantidade com suporte de figuras) e contas formais simples.
Em 2020, apenas 64% das crianças acertaram esses itens e, no grupo de 2021, somente 47% das crianças realizaram essas tarefas no final da pré-escola. Em 2022, o percentual aumenta para 81%.
Atraso em linguagem
No que diz respeito ao vocabulário, em 2019 aproximadamente 99% das crianças foram capazes de identificar a maioria das letras apresentadas em um caderno ilustrado e conseguiram fazer distinção entre texto e imagem.
Já na corte de 2020, 92% das crianças identificaram o mesmo conjunto de letras no final da pré-escola e, em 2021, somente 69% das crianças.
Ampliação das desigualdades
Na rede pública de Sobral, não havia uma diferença entre a aprendizagem das crianças de nível socioeconômico mais alto e mais baixo no ano de 2019. Todas as crianças aprendiam em um ritmo semelhante.
Entretanto, em 2020, essa realidade mudou conforme pontua Tiago Bartholo, professor da UFRJ e um dos responsáveis pelo estudo.
Em 2020, as crianças mais vulneráveis estavam aprendendo a metade do que seus pares.
Tiago Bartholo
As perdas estimadas são de sete meses para linguagem e de seis meses para matemática. Crianças em situação de maior vulnerabilidade social aprenderam em um ritmo mais lento do que seus pares.
Em 2022, esta diferença passou a variar de um a dois meses de aprendizado, aproximadamente.
Enfrentamento das desigualdades
Para mitigar os efeitos apontados neste estudo é preciso enfrentar as desigualdades de aprendizado e os déficits educacionais.
“As crianças devem estar na escola e ter a mesma oportunidade de aprendizagem. As políticas públicas precisam ter foco naqueles que foram mais impactados pela pandemia.”, defendem os pesquisadores Tiago e Mariane.