Artigo: Como combater a violência nas escolas?

Como combater a violência nas escolas?

Quando nos deparamos com os recentes atentados violentos às escolas, é inevitável uma dor atravessar o nosso peito. Por mais que o momento seja difícil, precisamos falar sobre como promover uma cultura de paz nas escolas. É urgente ampliarmos o debate sobre saúde mental, diversidade e a importância do acolhimento de crianças e adolescentes.

Aumento dos casos de violência

De 2002 a 2023, foram registrados 22 ataques violentos a escolas, dos quais 16 cometidos por estudantes e 12 por ex-estudantes. Os dados constam no levantamento feito por pesquisadores da Unicamp.

Desse total, 9 ataques ocorreram desde setembro de 2022, indicando que eles estão se tornando mais frequentes. De 2002 a 2023, além de São Paulo, houve ataque a escolas em  Barreiras (BA), Sobral (CE), Aracruz (ES), Monte Mor (SP), entre outros.

A especialista em competências socioemocionais e promoção da convivência ética na escola, Danila Di Pietro, pesquisa violência nas escolas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e afirma que não há garantias se haverá ou não novos ataques.

Para Danila é preciso promover o acolhimento dos estudantes e fomentar um debate amplo sobre convivência, democracia e saúde mental. Ela sinaliza que, em geral, os ataques são planejados, os agressores têm indícios de transtornos mentais não diagnosticados e usam métodos aprendidos na internet, muitas vezes em comunidades de subcultura extremistas.

Aspas

É inadmissível que meninos e meninas aprendam como fazer coquetel molotov no Tik Tok. Precisamos de um marco regulatório urgente.

Danila Di Pietro

Aspas

Fundação Roberto Marinho: Qual a motivação desses ataques?

Danila Di Pietro: Vivemos uma era de banalização e naturalização muito grande do discurso de ódio e da violência que é potencializada pela internet.

Com a pandemia e o isolamento social, muitos jovens tiveram um afastamento da convivência presencial e passaram a viver mais online. Muitos meninos encontraram nas comunidades virtuais e fóruns de jogos online locais para expressar discurso de ódio, machismo, racismo e misoginia, além de culto pela violência e armas.

Esse discurso de ódio se potencializa com a banalização da violência, com a ruptura do pacto civilizatório e o próprio incentivo da opressão, das armas como estratégia para resolução de problemas.

FRM: A que você atribui esse aumento de casos pós-pandemia?

Danila Di Pietro: Dados mundiais mostram que a saúde mental se tornou mais sensível com o isolamento social. Na retomada ao ensino presencial, a maioria das escolas fez protocolos sanitários, mas poucas fizeram protocolos de acolhimento para dar conta das demandas emocionais. A saúde mental não é algo que se soluciona de imediato. É preciso que haja um acompanhamento a médio e longo prazo voltado para professores, estudantes e famílias.

Somado a isso, no segundo semestre de 2022, tivemos um período de eleição que deixou o debate entre pessoas muito mais fervoroso, inclusive entre os estudantes. As pessoas não conseguiam dialogar de forma saudável e em geral quando não há diálogo, há violência. Quando não se consegue dialogar, muitas pessoas procuram pares, semelhantes com o mesmo pensamento e assim se isolam em uma bolha, funcionando como uma câmara de eco.

FRM: Existe um perfil comum entre os agressores?

Danila Di Pietro: Os agressores são jovens brancos, entre 10 a 25 anos, do sexo masculino. Costumam ter história como vítimas de bullying na escola, possuem características de isolamento social e indícios de transtornos mentais, apresentam falta de perspectiva ou projeto de vida, além de fazerem parte de uma classe social descendente.

Eles se articulam em comunidades online onde há incentivo à violência, à misoginia e ao racismo. Em geral, os ataques são planejados. Eles adotam métodos aprendidos na internet, muitas vezes em comunidades de subcultura extremistas. Muitos são aliciados em chats de plataformas de jogos online e são levados para comunidades fechadas onde são apresentados às ideias de extrema direita.

FRM: Quais jogos são mais comuns haver aliciamento desses jovens?

Danila Di Pietro: A questão não é um jogo em si. Pode ser um jogo violento como o Fortnite até Minecraft. O que acontece é que nos chats de jogo online as pessoas estão num momento de mais descontração e sem barreiras e, assim, costumam se expressar sem filtros. Então, quando um jogador, por exemplo, perde uma partida e se manifesta usando uma expressão racista ou homofóbica no chat, podem ter outros jogadores que, ao invés de censurá-lo, vão se identificar. Há uma cooptação de jogadores para outras plataformas fechadas criptografadas, como Discord, em que é permitido expressar livremente ideais extremistas.

Eles também entram em comunidade chamadas TCC, que significa true crime community (comunidade de crime real). São comunidades de subcultura online, que têm células fascistas. A partir daí, ele vai aprender mais sobre ataques e cultura extremista. Por isso, é importante não divulgar tantos detalhes e nem dar notoriedade sobre os ataques, pois é justamente isso que muitos deles buscam.

FRM: Como a escola pode identificar sinais de comportamento violento entre os alunos?

Danila Di Pietro: Existem alguns sinais de alerta como interesses incomuns como obsessão por arma de fogo, massacres ou um estudante se vangloriar por saber muito sobre armas, demonstrar interesse por perfis e blogs mais extremistas, nazistas e misóginos, por exemplo. Outros sinais são um afastamento abrupto de amigos ou da família e/ou passar muito tempo online, o que chamamos de solidão crônica. Um menino que se machuca e costuma usar moletom para esconder, ameaça muito os outros, expressa planos ou dá a entender que está recrutando pessoas.

Esses agressores também costumam ter um vínculo com sofrimento na escola podendo ter sido vítimas de bullying, invisibilizados por algum motivo ou sofrido alguma advertência. Entre os alunos que praticam bullying, um ponto de atenção é quando se trata de questões de agressividade relacionadas à raça e ao gênero.

FRM: Aumentar a vigilância e a segurança armada nas escolas pode contribuir para a redução de novos ataques?

Danila Di Pietro: Não. Ano passado, tivemos um ataque dentro de uma escola cívico-militar. A polícia tem um papel importante na sociedade, mas fora da escola. Dados mostram que não há diferença no número de massacres entre escolas norte-americanas que possuem polícia armada e as que não possuem.

FRM: O que pode ser feito para promover uma cultura de paz nas escolas?

Danila Di Pietro: É preciso promover debates saudáveis entre meninas e meninos com discussões importantes sobre a nossa democracia, explicar por que não podemos ser racistas, por que o nazismo é condenável, falar sobre a importância de equidade, diversidade religiosa e respeito às diferenças. É importante fomentar o diálogo e não a violência. Se não fizermos isso, vamos continuar enxugando gelo.

Por uma cultura de paz nas escolas

O Canal Futura e a Fundação Roberto Marinho prepararam uma coletânea de conteúdos para combater a violência nas escolas. Confira abaixo:

A escola que temos e a escola que queremos: Enfrentamento da violência e do bullying nas escolas

Quais os impactos da violência armada na vida das crianças e adolescentes?

Como prevenir a violência armada e a mortalidade letal que afetam crianças e adolescentes?

Como os municípios podem implementar medidas socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei?

Inclusão social na prática: como o município pode garantir os serviços assistenciais para famílias vulneráveis?

Como combater o racismo e a discriminação na infância na rede escolar municipal?

Enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes

Desde 2009 o Canal Futura por meio da Fundação Roberto Marinho, o UNICEF e a Childhood Brasil assumiram o desafio de desenvolver ações e projetos conjuntos para o enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes, em especial as violências sexuais.

O Crescer Sem Violência tem como objetivo disseminar informações de qualidade e metodologias de enfrentamento às diferentes formas de violência de modo informativo, atraente e sem expor crianças e adolescentes.

Confira aqui os cursos do Crescer sem violência