Eu vim pra incomodar
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Incômodo: adjetivo da língua portuguesa que se refere àquilo que não é confortável, cômodo ou aconchegante.
Por muitas vezes eu me senti assim, um incômodo. As vezes ainda me sinto. Me sinto como aquela roupa antiga que você ama, mas que não lhe cabe mais, e sempre que você a coloca, ela te aperta e te faz lembrar que tem algo “diferente”.
Ser o botão que não fecha nem sempre é um lugar fácil de estar, pois ele escancara a distância entre dois pontos que um dia pareceram estar juntos. Mas, ao mesmo tempo, estar neste lugar possibilita a quebra, a mudança; e é sobre esse espaço que surge entre dois lados que eu quero falar.
Eu, enquanto mulher negra e periférica, sei que sou especialista em incomodar. Quando criança, incomodava, porque ninguém entendia que uma menina como eu poderia ganhar o desfile da escola. Entre tantas meninas loiras e "padrão", a que ganhava era a menina do sorriso largo.
Quando mais velha, decidi subverter o esperado e escolhi fazer um MBA em gestão de projetos. Lá, eu assustava a todos, pois ao me ver eles viam apenas uma menina franzina, recém-formada em jornalismo, e com 23 anos. Lembro de ouvir de algumas pessoas que elas esperavam que eu não desistisse, pois já estavam me avisando que não ia ser fácil, e mesmo assim eu insistia em ficar. Insistindo em ficar apesar de tudo que eu tinha pra oferecer. Era isso que eles me diziam. Mas eu decidi seguir incomodando e fiquei. Éramos, no máximo, 5 negros e, no final do curso, os cinco estavam lá na formatura.
Eu demorei pra entender que o incômodo era uma via de mão dupla, que o incômodo que batia aqui, batia lá - por motivos diferentes, claro. Esse incômodo ainda é um companheiro, pois vivendo em um país onde pessoas como eu eram escravizadas há até 134 anos atrás, eu ainda estranho e causo estranheza a cada novo degrau que subo. Líderes negros são a minoria, nossas histórias de sucesso ainda são vistos como “cases de superação”, e eu ainda sou a “primeira” ou a “única”.
Acredito que o que mudou - ou vem mudando - é que, agora, eu decidi aceitar que eu vim pra incomodar. Decidi aceitar que meus sonhos são grandes mesmo e se você não consegue entender, talvez o errado seja você.
Aceitar ser o incômodo não é sobre aceitar um lugar de “exótico”, mas aceitar que são os incômodos que movem a sociedade adiante. Não existe evolução sem ruptura e para mim aceitar o incômodo é ser essa ruptura com um passado que não me define. Como diz Emicida: me limitar à sobrevivência é o pior dos crimes.