Artigo: Jovens defensores da justiça climática na Amazônia

Jovens defensores da justiça climática na Amazônia

Juventudes e a justiça climática

Muito tem se falado sobre o protagonismo das juventudes na defesa da justiça climática. Em conferências internacionais, manifestações populares, escolas ou reuniões em família, cada vez mais jovens se convertem na voz da consciência de um mundo que resiste a mudanças.

É muito interessante ver a crescente percepção de que não é preciso ser adulto ou tampouco trabalhar numa organização ambientalista para se engajar em ações de enfrentamento às mudanças climáticas. Jovens não têm que esperar para se posicionarem assertivamente. Devem cobrar agora a responsabilidade de quem tem o poder de agir para descarbonizar a economia e enfrentar as desigualdades sociais que colocam em situação de maior risco os povos da floresta, quem depende do extrativismo e da agricultura familiar e as pessoas que vivem em situação de pobreza nas cidades.

Mas, fala-se pouco sobre as barreiras e oportunidades que os jovens encontram para tirar os tomadores de decisão da inércia. Foi pensando em dialogar com as ações de coletivos jovens, principalmente os que estão localizados na região Norte do país, que a organização não-governamental Ashoka realizou o Mapeamento Juventudes e Justiça Climática na Amazônia, publicado neste mês.

O estudo mostra que os jovens estão céticos sobre a possibilidade de recriar práticas de mercado e modelos de desenvolvimento econômico com as estruturas sociais existentes. Por outro lado, eles ainda não encontram ambientes acolhedores, que incentivem sua efetiva participação na gestão de espaços públicos e privados e que acreditem no potencial das juventudes para contribuir com o desenho das soluções. Por exemplo, quantos conselhos de empresas, governos ou até de organizações da sociedade civil têm membros jovens? Você conhece algum?

O estudo investigou as relações dos jovens com escolas, universidades, mídia governos, organizações da sociedade civil, empresas e destacou como eles estão inovando para driblar as dificuldades encontradas e efetivar a sua participação numa agenda de corresponsabilidade pelo clima.

No que podem melhorar escolas e universidades

Então, vamos aos achados, começando pela interlocução dos jovens com as escolas, espaço por onde passam mais de 97% das crianças de 6 a 14 anos da região Norte e onde mais de 63% dos jovens, com idade entre 15 e 17 anos, cursam o ensino médio, de acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021. Uma barreira recorrente na fala dos participantes do estudo é a “padronização" da educação.

Segundo os entrevistados, tanto escolas como universidades da região vivem um paradoxo: estão numa das áreas mais ricas em biodiversidade e culturalmente mais diversas do mundo, entretanto, impõem aos estudantes um modelo sudestino, ignorando os saberes locais, construídos historicamente no contato com a floresta. Para os jovens e organizações da Amazônia que trabalham com eles, o sistema de educação deveria ser mais aberto às lideranças locais, com representantes de povos originários e tradicionais atuando ativamente no processo de aprendizagem, para que todos os estudantes fossem mais conscientes de seu lugar no mundo e tivessem na escola um espaço de valorização da história de seu povo e de sua identidade.

O Mapeamento capturou várias inovações, que têm por princípio integrar a educação à sociobiodiversidade da Amazônia. Elas se traduzem em atividades extraclasse e extramuros, por meio de projetos, pesquisa e extensão, como os Territórios de Aprendizagem, iniciativa desenvolvida pelo Projeto Saúde e Alegria, na bacia do Tapajós. “O que a comunidade sabe que a escola não ensina?” é uma das perguntas que orienta as atividades e incentiva os jovens a pesquisarem os saberes ancestrais sobre a floresta, mas também sobre aquilo que integra o imaginário coletivo, como as formas por meio das quais as populações explicam a vida.

O estudo também apontou que as lideranças jovens acreditam que não se pode apenas investir em projetos que criem zonas provisórias de contato entre a escola e a comunidade, sem criar uma política pública consistente, que reinvente metodologias para transformar completamente a experiência escolar. Indicam ainda que é preciso entender ‘o que o jovem busca e espera da escola, como tem relevância na sua vida’ deixando pra trás ‘o que a escola espera do jovem’.

E isso implica revisitar o modelo de ensino, de avaliação e os processos de diálogo da comunidade escolar, fazendo com que os jovens desempenhem um papel transformador na estrutura educativa, em vez de ser alguém ‘transformado’ pela escola. É como diz Ana Rosa Cyrus, que coordena o Engajamundo na Amazônia: “temos que quebrar o muro; não existe mais fora e dentro, existe um ponto de encontro que é a escola. Não é o contato que a escola quer ter com o jovem, é o contato que o jovem quer ter com a escola”.

Sinergias com a mídia para colocar a justiça climática na agenda pública

É na interação com a mídia que o Mapeamento encontrou um campo fértil de inovações pelas quais as juventudes disseminam o ideal de justiça climática. Os entrevistados dividem os produtores e distribuidores de conteúdos na Amazônia em três segmentos: a mídia tradicional, formada por jornais, emissoras de rádio e TV nacionais e suas sucursais na Amazônia; a mídia local, com predomínio das rádios comunitárias, mas que também conta com a ampliação de uma rede de agências e plataformas de notícias independentes, como a Amazônia Real, que faz jornalismo investigativo e tem agilidade para propagar informações além das fronteiras da região; e a mídia especializada em juventudes, que trata de assuntos de forma diferenciada ou experimenta novos jeitos de comunicar, como as produções de jovens para jovens via redes sociais.

Apesar do acesso caro e limitado à internet e dos vazios de infraestrutura digital na Amazônia, a vontade de criar novas narrativas tem aberto caminhos para programas liderados por jovens e apoiados por organizações da sociedade civil. É o caso do podcast Copiô, Parente, do Instituto Socioambiental (ISA), que apresenta as lutas dos povos da floresta; o ZAPmenta, com mini podcasts socioambientais, distribuídos por WhatsApp e produzidos pelo Engajamundo; e do programa de rádio Rios de Saberes, liderado por estudantes da Escola d’Água, que enfoca os desafios ambientais e a defesa de territórios indígenas, quilombola, ribeirinhos da bacia do Tapajós (PA).

Nessas iniciativas, a prática da comunicação estimula os jovens a problematizarem a realidade com autonomia estando à frente dos projetos. O que fica claro nessas produções é a transversalidade da justiça climática no universo juvenil. Hoje, a justiça climática é atravessada pela equidade de gênero, de raça, pela defesa da democracia, pelos desafios do mundo do trabalho, da saúde pública e da tecnologia. Portanto, não se pode encerrar a questão climática na educação ambiental ou em nichos de interesse das juventudes. A justiça climática deve dialogar com todas as dimensões o crescimento da pessoa.

Falta olhar sistêmico aos governos e organizações da sociedade civil

A atuação fragmentada das organizações da sociedade civil e os interesses de curto prazo por parte dos governos foram apontados como fatores que limitam o diálogo e dificultam a colaboração em favor da justiça climática. Esse entendimento tem levado os jovens a se organizarem em núcleos autônomos, mas conectados por todo país e, não raro, coordenados em movimentos globais. Quase sempre a falta de uma liderança explícita é estratégia deliberada.

Muitos desses núcleos são apoiados ou mobilizados por movimentos e organizações fundados por jovens, como o Engajamundo, o Nossas, o Fridays for Future e outros. Eles estão encontrando novas formas de comunicar, engajar e catalisar a agência de transformação em outros jovens, de maneira que é quase impossível para organizações tradicionais entender o que eles estão fazendo. Têm agilidade para usar as mídias sociais em favor de seus propósitos; agem de forma não violenta; definem objetivos mensuráveis; não desistem até que seus pleitos sejam atendidos; e colocam os jovens no comando.

Essa experiência tem tido dois efeitos. Por um lado, está gerando uma mudança no perfil da sociedade civil organizada, onde vemos emergir mais redes e movimentos, como alternativa a instituições formais. E por outro lado, a percepção de que os governos não vão responder ao imperativo ético da justiça climática, na velocidade necessária, está levando mais jovens - principalmente indígenas e quilombola - a buscarem a representatividade na disputa eleitoral.

É o caso da iniciativa Quilombo nos Parlamentos. liderada pela Coalizão Negra por Direitos, e a Bancada Indígena, liderada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que recentemente lançaram 150 candidaturas para concorrer a cargos no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas. A urgência é manifestada no depoimento de Bitaté Uru Eu Wau Wau, que é jovem líder na Associação Jupaú, na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. “O poder público deve ser o primeiro a defender a floresta, porque é um patrimônio e um direito de todos. A gente já tem um país rico no qual existem muitas possibilidades de preservar a floresta e manter a saúde da economia.” Bitaté tem sua história contada no filme também lançado este mês, O Território.

Em uma relação desigual com as empresas

O estudo também apurou os vínculos entre jovens e empresas que operam na Amazônia. O sentimento predominante é de uma relação desigual que evoca prudência. Para as pessoas entrevistadas, enquanto não houver transparência nos processos e objetivos empresariais, vai-se continuar reforçando a lógica do desenvolvimento econômico a partir de práticas predatórias que agravam a crise climática. Porém, os participantes do Mapeamento demonstram interesse em colaborar com empresas que zelam pelo desenvolvimento local e por uma interação saudável com a floresta.

Leia o Mapeamento Juventudes e Justiça Climática na íntegra e ajude a compartilhar o estudo

Ajude o Futura a evoluir

O que você achou desse conteúdo?