Com homenagens a Alcione e Gil, Negritudes Globo promove debates sobre representatividade negra na cultura
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Painéis do Festival podem ser assistidos, gratuitamente, pelo Canal Futura no Globoplay

A voz marcante de Alcione abriu o primeiro Negritudes Globo do ano, realizado nesta quinta-feira (15), no Galpão da Cidadania, na Gamboa. A região, conhecida pelo circuito da herança africana, foi palco de encontros históricos. Acompanhada por Mumuzinho, Alcione se apresentou para um auditório lotado, com transmissão ao vivo pelo Canal Futura, na TV e no Globoplay.
Além da música, o festival reuniu personalidades importantes da cultura, das artes e do audiovisual brasileiro. Os participantes destacaram a relevância do evento, majoritariamente ocupado por pessoas negras, para a promoção da luta antirracista.
Mariana Seivalos, supervisora do Canal Futura, destaca que trazer diferentes pontos de vista, rostos e sotaques é uma das marcas do Futura, que tem a educação antirracista como um de seus pilares. Também destacou o papel do canal para a democratização do acesso ao conteúdo do evento: “O Negritudes é uma arena que traz debates fundamentais para a sociedade brasileira. Por meio da transmissão, conseguimos levar esse conhecimento para todos os cantos do país. Quem busca um mundo mais justo, inclusivo e colaborativo poderá assistir ao conteúdo das mesas a qualquer momento”, destaca.
Os painéis do Negritudes Globo estarão disponíveis a partir desta sexta-feira (16) no Canal Futura, no Globoplay, de forma gratuita. A equipe do Conexão, programa jornalístico do canal, também esteve presente no evento. Uma edição do programa trará bastidores e entrevistas inéditas com artistas que participaram do Festival.

“O Negritudes discute a importância do audiovisual na promoção de uma educação antirracista no país”, resume Cristovam Ferrara, diretor de Valor Social da Globo. “Esse evento nos ajuda a refletir sobre como podemos valorizar a cultura negra e ressignificar estereótipos históricos. A educação antirracista é a base para construirmos, pouco a pouco, uma sociedade que respeite todos e ofereça oportunidades em igualdade de condições”.
Além das estrelas no palco, grandes nomes também estiveram na plateia, como a apresentadora Regina Casé, a escritora Conceição Evaristo e o jornalista Rene Silva, que ressaltou o poder de conexão do evento: “Acho que o Negritudes tem um papel educacional muito forte, ao proporcionar acesso a conversas que dificilmente teríamos em outros contextos. Como é um evento presencial, outro ponto bacana é a possibilidade de fazer conexões, encontrar pessoas e trocar ideias”, avaliou.
Confira um pouco do que rolou nos painéis do Negritudes Globo.
Legado de Alcione e Tony Tornado é celebrado
“Quando comecei, me avisaram para ter cuidado, porque quando um artista negro faz sucesso, logo querem derrubá-lo. Lembra do Simonal e da Elza Soares? Mas eu sou dura na queda. Meu pai me ensinou que em porta fechada tem que bater”, disse Alcione no painel em sua homenagem.

O cantor Mumuzinho relembrou a infância, quando ganhou um disco da artista: “Comecei a ouvir e pensava que nunca conheceria a Alcione”, disse, em tom descontraído. O cantor é conhecido por interpretar as músicas de Alcione reproduzindo um timbre de voz parecido.
“Ela tem toda a musicalidade preta na voz”, resume Isabel Fillardis. “É que o samba tomou conta do coração”, completa. Para a atriz, Alcione é referência por ocupar, com pioneirismo, espaços que não recebiam bem mulheres, especialmente mulheres negras.
Preservar e contar histórias de personalidades negras como Alcione é a missão do projeto Negro Muro, representado por Pedro Rajão. “Foi muito importante ouvir a comunidade sobre o que significa a Alcione. Uma mulher negra, do Maranhão, que se transforma em um grande nome da Mangueira”, destaca.

O segundo painel recebeu os atores Tony Tornado e seu filho Lincoln Tornado, a atriz Aline Wirley e o ator Igor Rickli, e teve a mediação da jornalista Flávia Oliveira e de sua filha Isabela Oliveira.
Próximo de completar 95 anos, o ator e cantor Tony Tornado destacou que a parceria musical com o filho o impulsiona a continuar ativo. Lincoln, ex-militar, contou que se encantou ao conhecer de perto o trabalho do pai: “quando eu cheguei no ambiente que ele trabalhava, eu me encontrei”.
Flávia Oliveira também falou sobre a parceria com a filha, Isabela Oliveira, no podcast Angu de Grilo: “Todo mundo pensa que fui eu, mas foi quem teve a ideia, fez o convite e comprou os equipamentos. Ela é a chefe”, brinca. “Acho que os filhos nos rejuvenescem” ressalta.
Aline Wirley falou da parceria com o esposo nos palcos e relembrou sua passagem pelo grupo Rouge e a importância de ter sido, ao lado de Karin Hils, uma das poucas referências negras no pop juvenil dos anos 2000: “Eu fui tomando consciência da importância que eu e Karin [Hils] tínhamos no grupo na medida em que eu fui amadurecendo. Muitas dessas pessoas, que eram crianças na época, me fazem entender isso hoje”.
O poder da representatividade negra
Ligar a TV e perceber que as protagonistas das três principais novelas da maior emissora do país são mulheres negras. Pode parecer algo banal, mas representa uma conquista de enorme poder simbólico, celebrada no painel “Luz, câmera e autoestima negra”. Reconhecer essa mudança é essencial, mas também é preciso naturalizá-la, destacaram os convidados.
O filósofo Renato Noguera explicou que a identificação com histórias e personagens é fundamental para ampliar o repertório de possibilidades de existência. “Trata-se de criar referências sobre o que é possível, belo e desejável. Quando as pessoas veem histórias com personagens negros que não são estereotipados, isso gera repertório, segurança e autoconfiança”.
“A diversidade traz outros pontos de vista. Quantas histórias deixaram de ser contadas porque não eram conhecidas? Ter essas perspectivas diferentes enriquece qualquer narrativa”, ressaltou a roteirista Renata Sofia, atualmente no ar com a novela Dona de Mim.

O rapper MV Bill lembrou o histórico de invisibilidade negra na televisão: “Nos anos 1990, a gente ligava a TV e parecia que estava na Dinamarca, de tão distante que era da nossa realidade”. Ele completa: ”Agora, ter três protagonistas negras nas três principais novelas do país diz muito. E o mais importante: a emissora não levantou bandeira. Não precisa. Isso tem que ser natural, parte do dia a dia. Que bom que estamos vendo uma mudança de pensamento”.
Tempo rei, Tempo Gil
Um passeio pela trajetória artística e política de Gilberto Gil marcou o encerramento dos painéis do Negritudes Globo. O cantor e compositor foi entrevistado pela jornalista Maju Coutinho e pela cantora Teresa Cristina. Em vários momentos, a conversa deu lugar à música, com o trio entoando canções que embalaram a plateia.
Gil falou sobre o prazer de ver suas músicas atravessando gerações e sobre seu envolvimento com a política. Ex-ministro da Cultura (2003–2008), destacou a criação dos Pontos de Cultura, política pública que ampliou o acesso à arte em todo o país: “É um instrumento interessante para as políticas culturais, alcançando comunidades em várias partes do Brasil”.

Ao olhar para o futuro, Gil encerrou sua participação com um chamado à construção coletiva: “Cabe a nós promover a realização desse sonho, cada vez mais importante e válido: o de uma sociedade mais justa, mais integrada e mais rica — não apenas materialmente, mas especialmente espiritualmente, na forma das linguagens, nos modos de falar, cantar, se expressar. Nesses sentidos todos, sou ainda mais negro”.