Notícia: Como é a vida das mulheres que trabalham na produção da juçara em Maracanã

Como é a vida das mulheres que trabalham na produção da juçara em Maracanã

Entre a mata e a cidade, na comunidade do Maracanã - zona rural de São Luís (MA) – as mulheres produtoras do açaí juçara guardam o saber ancestral do cultivo do fruto que, além de sustento, é símbolo de identidade e resistência. O impacto da degradação dos rios e brejos preocupa a população, que luta pela preservação ambiental do território em que vivem e trabalham.

Mãe Jô: a matriarca afro-indígena que luta pela natureza do Maracanã, na zona rural de São Luís

Entre ritos, árvores e rios, a história de uma mulher que convive com os juçarais e defende a ancestralidade e a preservação ambiental no Maranhão

Por Lourdimar Silva

Desde a infância, Maria Joselina dos Santos, mais conhecida como Mãe Jô, 63, convive com a juçara, planta que foi abundante em sua região e essencial para o sustento de sua família.  “Na nossa época de criança, colhíamos a juçara, botávamos de molho no sol, e depois a gente ia para o pilão, para gamela ou alguidar, socava com a garrafa, no pilão a gente ia com a mão de pilão, depois passava para uma bacia, amassava e botava numa peneira para podermos tirar o suco”, relembra.

Nascida no povoado Santo Antônio, periferia de São Luís, no Maranhão, foi aos 14 anos para Belém, no Pará, onde trabalhou realizando serviços domésticos no lar de umbandistas. Após 16 anos, retornou para a capital maranhense, casou-se e continuou trabalhando. Mãe Jô sofria com dificuldades para engravidar e com a palavra e benção da espiritualidade, tornou-se mãe de três filhos uterinos.

Em 1999, em cumprimento a uma orientação espiritual, fundou o Terreiro São Jorge Tumajamacê, um centro religioso de matriz africana, localizado no território Maracanã, na zona rural de São Luís, no Maranhão, onde realiza ritos que têm por base a cura e a encantaria maranhense.

Mãe Jô no juçaral do seu Terreiro
Mãe Jô no juçaral do seu Terreiro. Foto: Marcelo Augusto

O terreiro também é residência da Mãe Jô, um sítio com inúmeras árvores frutíferas, incluindo um enorme juçaral, aglomerado de palmeiras que produzem a fruta juçara. Conselheira ambiental do bairro Maracanã, ela também luta pela preservação dos juçarais, afetados pela degradação ambiental e desaparecimento dos rios e brejos.

“Antigamente, a gente fazia nossos banhos espirituais nos rios e brejos. Nossos riachos atendiam a nossa comunidade. Vinham várias mulheres lavar roupas, vinham as carroças buscar água nos tonéis, nos tanques. Hoje, as águas estão poluídas, para fazer um banho de rio é preciso buscar fora. Os rios são casas das mães d’águas, entidades que são presentes na mata! Como vamos continuar cultuando elas?", afirma com pesar.

As nascentes estão secando, os riachos ficaram poluídos e os juçarais estão morrendo. As ervas sagradas que outras cresceram espontaneamente às margens dos rios agora precisam ser plantadas e cuidadas separadamente.

Para ela, a natureza é mais do que um recurso; é um elemento sagrado que conecta a comunidade com o divino. "A natureza é primordial para nós. Da mata colhemos as ervas para os rituais e as águas para os banhos. Sem folha, sem água, sem mata, não tem orixá, não tem caboclo, não tem povo de terreiro", diz.

Mãe Jô em seu Terreiro
Mãe Jô em seu Terreiro. Foto: Marcelo Augusto

Mãe Jô observa que o crescimento desordenado e a invasão de áreas de preservação estão causando danos irreparáveis. “Com a chegada dos condomínios, nossos brejos foram invadidos, e o bairro ficou mais inseguro. Vieram muitas pessoas, muitos jovens, eles invadem nossos juçarais, colhem nossa juçara, até fora de época, não deixa ela amadurecer, apanham fora de época”, relata.

Ela também destaca a falta de saneamento básico, transporte deficiente e deficiência de escolas como problemas estruturais que afetam a qualidade de vida na comunidade. “Jogam as pessoas aqui na periferia e não dão condições para as pessoas morarem, né? A questão da educação também está muito complicada, porque é muita gente e pouca escola, pouca vaga para os estudantes”, relata.

Apesar das dificuldades, ela acredita na força da mobilização comunitária. "Se nos unirmos, ainda podemos replantar a Jussara e limpar as cabeças dos rios. Temos líderes incansáveis, mas precisamos da participação de todos para sensibilizar os políticos e os donos de terras."

Mãe Jô em seu Terreiro
Mãe Jô em seu Terreiro. Foto: Marcelo Augusto

Mãe Jô compreende que, para além do cuidado espiritual, o terreiro precisa ter um compromisso com a coletividade, sempre desenvolvendo ações que abraçam toda a comunidade, como: palestras sobre a “saúde da mulher/saúde menstrual”, orientações com a equipe do Conselho Tutelar sobre “abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes”.

Além disso, o terreiro promove um projeto de recreação com crianças, com atividades que estimulam o aprendizado, o contato com a cultura e a valorização da arte através de oficinas de dança, de leituras e instrumentos de percussão.

Mãe Jô não perde a fé na capacidade de mudança. "Eu acredito que há solução. Se dermos as mãos e lutarmos juntos, podemos reverter a situação." Sua atuação como mãe de santo e líder comunitária reflete um compromisso profundo com a preservação do meio ambiente e das tradições culturais, inspirando sua comunidade a resistir e persistir em busca de um futuro mais justo e sustentável.

Mãe Jô é, acima de tudo, uma guardiã: da natureza, das memórias e da espiritualidade que conecta sua comunidade às raízes mais profundas de sua identidade.

Mãe Jô em seu Terreiro
Mãe Jô em seu Terreiro. Foto: Marcelo Augusto

Esta reportagem foi desenvolvida por meio da iniciativa Bolsa-Reportagem, parte da cooperação técnica entre a Vale e o Canal Futura, com o objetivo de fomentar a produção e amplificar o alcance de informações e conteúdos sobre o enfrentamento à pobreza extrema.

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