Ipixuna sem banheiro
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No município de Ipixuna, no Amazonas, apenas 36,8% das residências dispõem de banheiro, conforme o Censo 2022 do IBGE. Essa é a realidade de cerca de 16 mil pessoas que sobrevivem – por falta de recursos financeiros e estruturais – sem acesso a um banheiro adequado com chuveiro e louças sanitárias, improvisando latrinas ou até mesmo em buracos nos cômodos que despejam os dejetos diretamente no rio. Além do impacto na saúde, no bem-estar e no meio ambiente, os moradores de Ipixuna convivem com a permanente negligência à dignidade.
Suely Torres: entre privações na cidade sem banheiros e o sonho de uma vida digna
Moradora conta como a resiliência e o espírito comunitário movem a população de Ipixuna, considerado o município com menos banheiros no país
Por David Batista
“Alguns vizinhos, quando não conseguem fazer cocô [SIC] em casa, recorrem ao mato ou levantam uma tábua e fazem no trapiche mesmo”, relata Suely da Silva Torres, 43 anos, moradora do município de Ipixuna, no Amazonas. Sua história reflete a dura realidade enfrentada por moradores da cidade onde apenas 36,8% das residências dispõem de banheiro, conforme o Censo 2022 do IBGE.
Nascida na comunidade do Seringal, Suely cresceu em uma família simples com os pais e oito irmãos. A casa onde morava era feita de madeira e o chão era coberto por palha de paxiúba, uma palmeira nativa da região. Lá já não tinha banheiro. Aos 13, mudou-se com a família para Ipixuna, onde a situação sem o cômodo prosseguiu até os dias atuais.
A residência atual de Suely possui dois quartos, cozinha e uma sala; e para lidar com as necessidades fisiológicas diárias, ela conta com a ajuda dos vizinhos. “Quando preciso ir ao banheiro, uso o da minha prima aqui do lado. Aqui é comum essa situação”, revela com um sorriso tímido.

Essa realidade é comum entre muitos ribeirinhos da Amazônia, que, devido à distância ou à falta de recursos financeiros, não conseguem construir um banheiro adequado com chuveiro e louças sanitárias. Para muitos moradores de áreas isoladas, as necessidades fisiológicas são atendidas em latrinas improvisadas ou até mesmo em buracos nos cômodos de flutuantes que despejam os dejetos diretamente no rio, aproveitando o fluxo das águas.
Atualmente, Suely é empregada doméstica e utiliza o banheiro na casa do patrão onde trabalha. “Usar o banheiro é bom. É prático, eu me sinto gente”, diz.
Mãe de três filhas, de 12, 18 e 20 anos, Suely enfrenta desafios financeiros. Com uma renda mensal de cerca de R$ 1.500, somando o trabalho doméstico e o auxílio do Bolsa Família, ela se esforça para garantir o básico. Precisou interromper os estudos na quarta série para ajudar em casa e sustentar a família, mas mantém o sonho de voltar a estudar.
“Meu sonho é voltar a estudar para conseguir um bom emprego e realizar meus desejos. Sem educação, as coisas são mais difíceis, né?”, desabafa.
Após cinco anos separada do pai das filhas, encontrou um novo amor. Com o namorado, de 37 anos, sonha em ter mais um filho, apesar dos desafios de saúde. Suely já enfrentou dois abortos espontâneos, sendo o mais recente há cerca de um mês, mas se diz esperançosa. “Com saúde, o resto a gente se vira”, determina.

Suely mora no bairro Mutirão Novo, uma área considerada de classe média baixa em Ipixuna, marcada pela falta de infraestrutura. As ruas de barro, os trapiches para acesso às casas e o despejo de resíduos diretamente no solo ou nos rios, formando ambientes enlameados, evidenciam condições precárias. A moradora conta que durante as cheias costuma ver fezes boiando nas águas próximas. Além do Mutirão Novo, pelo menos outros seis bairros em Ipixuna compartilham essa realidade precária.
As dificuldades não abalam a determinação de Suely. Apesar de morar em uma casa que ela mesma descreve como "caindo aos pedaços", a doméstica sonha com uma vida melhor. “Sonho com uma casinha organizada, com minhas coisas no lugar e um banheirinho arrumado”, compartilha.
A história de Suely não é isolada. Em uma cidade com cerca de 24 mil habitantes, aproximadamente 15 mil pessoas enfrentam a realidade de viver sem banheiro ou com instalações precárias. Sua trajetória, marcada pela força e pela esperança, simboliza a luta de muitos brasileiros pela dignidade e melhores condições de vida. Suely é um exemplo de resiliência e prova de que, mesmo nas situações mais adversas, é possível sonhar com um futuro melhor.
Esta reportagem foi desenvolvida por meio da iniciativa Bolsa-Reportagem, parte da cooperação técnica entre a Vale e o Canal Futura, com o objetivo de fomentar a produção e amplificar o alcance de informações e conteúdos sobre o enfrentamento à pobreza extrema.