Notícia: Terras de Resistência: a luta dos quilombolas da região de Santa Inês

Terras de Resistência: a luta dos quilombolas da região de Santa Inês

O Maranhão é o segundo estado do Brasil com a maior concentração de comunidades quilombolas: 269.074 pessoas autodeclaram-se quilombolas, segundo o último censo do IBGE. Em meio à vastidão do interior, o Quilombo Onça representa um ponto de resistência há muitas gerações, sendo um espaço de união e cooperação. Sua trajetória de luta, agora, está sendo ameaçada por quem ocupa ilegalmente o território, fazendo com que seus habitantes não consigam cultivar os alimentos que antes garantiam seu sustento. Com o espírito de coletividade, os integrantes do quilombo denunciam a violência da grilagem e procuram soluções de reparação para garantir seus direitos, principalmente ao manejo da terra onde vivem.
 

Valéria da Conceição Silva: raízes fortes e sonhos frutíferos por meio da educação no Quilombo Onça

Única pessoa da comunidade com ensino superior, professora repassa valores ancestrais para crianças quilombolas

Por Katherine Martins

As mãos revelam as marcas do lápis, enquanto o olhar é repleto de esperança. Valéria da Conceição Silva, quilombola de 22 anos, é um exemplo de que a educação pode transformar vidas e romper o ciclo da pobreza. Nascida e criada no Quilombo Onça, pequena comunidade localizada no interior do Maranhão, Valéria conheceu a “invisibilidade social”, a fome, a exclusão, falta de oportunidades e conflitos gerados por fazendeiros que tentaram apagar a história da sua comunidade com a exploração indevida da sua terra. Valéria enxergou na educação uma ferramenta para mudar a realidade do seu povo.

Os quilombolas são descendentes de africanos escravizados que, durante o período colonial, fugiram para áreas remotas em busca de liberdade e formaram comunidades. Desde então, a luta quilombola é constante e desafiadora. Apesar dos avanços legais, a discriminação ainda marca o dia a dia dessas comunidades.

“Hoje a gente sofre muito preconceito por sermos quilombola, por nos identificar quilombola. Muitas pessoas não aceitam e pra eles, quilombola é coisa que a gente inventou. Quilombola não é coisa imaginária, e sim uma história que vem de nossos ancestrais”, explica Valéria.

Atenta às histórias de resistências contadas por seu pai, Valdivino, um dos líderes do Quilombo Onça, em Santa Inês, no Maranhão, aprendeu a importância de manter viva a memória dos que lutaram pela liberdade e pelos direitos da comunidade. Para eles, a ancestralidade é um guia que mostra o caminho da força e da resiliência. Essa conexão com o passado a inspirou a buscar um futuro diferente para si e para os seus.

Valéria é uma representação dos 1,3 milhão de quilombolas autodeclarados no Brasil, sendo que o Maranhão tem a segunda maior população quilombola, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No país, o Maranhão possui 269.074 mil pessoas que se autodeclaram quilombolas e vivem em 32 municípios maranhenses, entre os quais, Santa Inês, município onde o Quilombo Povoado Onça está localizado.

Valéria da Conceição Silva

A educação como caminhos de cultura e transformação

Desde criança, Valéria da Conceição Silva sonhava em ser professora. “Tinha uns 10, 12  anos e já comecei no ramo de professora. Meus irmãos eram meus alunos”, conta.

Ela via na escola não apenas um lugar de aprendizado, mas também de esperança. Mas o caminho até a realização desse sonho não foi fácil. A única escola presente na comunidade atende apenas alunos até o ensino fundamental.

Mesmo diante desse obstáculo, Valéria nunca desistiu. Com o apoio da família, ela conseguiu concluir o ensino médio no povoado próximo, chamado Calango e ingressar em um curso de Pedagogia. Atualmente ela é a única pessoa da comunidade com ensino superior. Durante a graduação, ela aprofundou o conhecimento sobre a educação voltada para a emancipação das populações marginalizadas.

“Queria muito que essa educação fosse passada para as nossas crianças, nossos jovens, para que eles conhecessem melhor a nossa identidade, a história. A nossa ancestralidade, né? Eu, como professora hoje, queria muito que isso acontecesse dentro da minha comunidade. E que a nossa escola passasse a ser uma escola quilombola", conta.

Valéria da Conceição Silva

Após a conclusão do curso de pedagogia, Valéria se tornou supervisora escolar. Sua primeira ação foi implementar melhorias no currículo escolar na sua comunidade, incluindo projetos que contribuam para a  valorização da identidade quilombola. “A gente sempre tenta encaixar no nosso plano de ensino da nossa escola, um pouco da nossa religião, um pouco da nossa história.”

Ao buscar conhecimento e qualificação, Valéria, que antes se dedicava ao artesanato, ampliou suas próprias perspectivas de futuro e contribuiu para a melhoria da renda familiar. Diante das dificuldades de manter-se apenas com a renda proveniente do artesanato, ela percebeu a necessidade de investir em sua educação.

"Se eu não tivesse a educação que tenho hoje, o nível de escolaridade, eu acho que minha vivência seria a mesma vivência que meus pais têm, né? Da roça e da renda mínima do Bolsa Família. A educação nos proporciona muitas oportunidades, abre várias portas que a gente pode melhorar de vida, podemos tanto trabalhar quanto estudar e darmos um futuro melhor para nossos filhos”.

Valéria da Conceição Silva

Da sala de aula para a sua comunidade, Valéria é a representação da força de uma mulher preta que luta pelo reconhecimento do seu povo por meio da educação. Ao valorizar sua ancestralidade, Valéria nos mostra que a educação rompe ciclos, seja o da pobreza, da desigualdade e também o do preconceito. E no Quilombo Onça, Valéria é a representação de que a educação é também aquilombar, sonhar e realizar.

Esta reportagem foi desenvolvida por meio da iniciativa Bolsa-Reportagem, parte da cooperação técnica entre a Vale e o Canal Futura, com o objetivo de fomentar a produção e amplificar o alcance de informações e conteúdos sobre o enfrentamento à pobreza extrema.

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