Artigo: A guerra que se vive, a guerra que se vê

A guerra que se vive, a guerra que se vê

É possível separar a violência que se vê, daquela se vive? Nesse sentido, a infância brasileira é um desafio por si só: garantir os direitos das crianças e adolescentes num país cujos níveis de desigualdade e violência crescem tem exigido esforço coletivo de família, escola, políticas públicas e seus articuladores e ativistas.

Por outro lado, como parte da preservação da infância, há também o dever dos adultos em mediar os assuntos que chegam aos ouvidos (e corações) das crianças pelas mídias; esse tem sido um trabalho importante de quem articula uma educação midiática voltada a cada faixa etária.

Para algumas gerações, a invasão russa à Ucrânia é a primeira guerra vivenciada no sentido estrito – ou até antiquado – do termo. Em outras palavras, um conflito armado no estilo da primeira metade do século 20: desrespeito à soberania de uma nação por meio de invasão terrestre, marítima e aérea, expansionismo imperialista, violação de tratados internacionais e assalto indiscriminado à população civil.

Ao contrário da Segunda Guerra Mundial, ou mesmo do conflito que se estendeu no Vietnã na década de 1960, essa é também uma guerra midiática. Por entre as trincheiras virtuais das redes sociais há mais material, entre o de qualidade, o falso e do duvidoso, do que todos os outros conflitos produziram juntos.

Seria mais fácil “tirar as crianças da sala”, como pediam nos noticiários da rádio e da televisão no século passado, à deixarem o TikTok de lado atualmente. Imagens e notícias da guerra chegam indiscriminadamente mesmo a quem não tem idade para processá-las ou contextualizá-las.

Uma menina ajuda um menino mais novo a se agasalhar.
Foto de Ahmed Akacha

A maioria dos estudos sobre o impacto nas crianças da transmissão de guerras pela mídia, realizados nas décadas de 1960 e 1970, apontavam que, em virtude das diferenças faixas etárias, os conceitos de paz, guerra e violência muitas vezes pareciam abstrações da realidade para elas; as crianças não sabiam ao certo dizer se o que presenciavam era real ou não. Essa espécie de “limbo emocional” gerava inúmeros transtornos como ansiedade, depressão ou tristeza e também problemas não desenvolvimento da aprendizagem. Evidenciou-se assim um cenário de emergência na saúde emocional e mental das crianças.

Queiramos ou não, as imagens da guerra chegam à infância. Assim como a realidade das infâncias brasileiras que batem à porta das famílias diariamente. Por que estão matando crianças e famílias? A guerra vaio chegar ao Brasil? É a terceira guerra mundial? Perguntas brotam aos montes; os adultos – criadores do problema que precisam sanar – mais uma vez, não têm as respostas precisas.

É unanimidade entre psicólogos e especialistas da infância que não devemos negar os fatos. Pelo contrário, devemos torná-los claros e reais para as crianças. Para cada idade, há uma abordagem adequada a ser feita no sentido de reduzir ansiedades, sem negar o que de fato acontece.

Uma menina olha para quem a fotografava. Ao fundo, roupas estendidas no varal e montes de feno.
Foto de Ahmed Akacha

Confira três sugestões de como tratar sobre as mídias e a guerra junto às crianças:

1. Navegue junto com os filhos

Crianças não devem navegar sozinhas em mídias sociais, mesmo com filtro parental ativado – que pode falhar. Caso o assunto da guerra apareça, inicie perguntando o que a criança sabe sobre o conflito e explique melhor alguns pontos que considere adequados. Contexto histórico é sempre importante, traz comparações e a noção de que esse não é um fato isolado na história da humanidade. O fundamental no diálogo é a escuta: as crianças devem perguntar o que desejarem e serem escutadas – por sua vez, os adultos devem responder sempre de maneira franca e aberta.

2. Proponha leituras paralelas

Também de acordo com a idade das crianças a leitura conjunta de um livro (que pode ir desde a versão infantil da história da Malala até o clássico “Diário de Anne Frank”) traz informações que contextualizam e humanizam a questão. Se o livro tiver o ponto de vista de uma criança, é ainda melhor.

3. Trabalhe em conjunto com a escola

Um estudo feito nos anos 90 (diante dos conflitos no Kosovo e no Iraque) pela revista acadêmica da Austrália Journal of Peace Research apontou que o gênero, a idade e a linha pedagógica das escolas tinham alto impacto na maneira com a guerra afetava ou não a saúde mental das crianças. É importante, portanto, esclarecer com o corpo pedagógico da escola trabalha os assuntos do conflito. O objetivo é dar suporte e profundidade à abordagem quando a criança chega ao ambiente doméstico ou acaba de conversar com os amigos.

Na educação midiática, a base de conversa entre família, comunidade e escola é, mais uma, vez a mais eficiente.

Escola invisível

O UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência) de Portugal preparou um guia gratuito sobre como falar da guerra comas crianças de 3 a 6 anos sobre a guerra na Ucrânia. Confira-o aqui.

As coleções temáticas de materiais do Educamídia facilitam esse processo de diálogo com as crianças. Confira-as aqui.

A SaferNet traz códigos de conduta no acesso a informação segura na Internet que são úteis nessa situação. Confira-os aqui.

A Revista Crescer realizou uma importante reportagem sobre o tema. Acesse-a aqui.