Menos matrículas, mais desigualdades: os desafios da EJA no Brasil
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Como aumentar o número de estudantes da EJA, que está em queda desde 2018?
A educação é um direito fundamental e deve ser garantida pelo Estado. No Brasil, todas as crianças e adolescentes, entre 4 e 17 anos, devem estar matriculados na educação básica. É o que prevê a Constituição Federal de 1988.
No entanto, a realidade é bem diferente. Por diversos fatores – como a necessidade de trabalhar, realizar tarefas de casa ou cuidar de crianças, idosos ou pessoas com deficiência e a gravidez precoce – milhões de brasileiros abandonam a escola.
Em 2022, 35,2% da população com mais de 25 anos não tinha instrução ou ensino fundamental completo, de acordo com IBGE.
Evasão escolar
Para promover a garantia do direito à educação, é preciso ter um olhar atento às juventudes. Em 2023, 9 milhões de pessoas entre 14 e 29 anos abandonaram a escola sem concluir a educação básica, segundo dados do Censo Escolar 2023 divulgados pelo IBGE. A maior parte desses jovens tem entre 18 a 24 anos, uma fase importante para a entrada no mercado de trabalho e para a construção de um futuro profissional. Os dados são da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) de 2024, divulgada pelo IBGE.
Confira:
- 15 a 17 anos – 515 mil estudantes fora da escola
- 18 a 24 anos – 4,5 milhões
- 25 a 29 anos – 4,1 milhões
Em 2023, 9 milhões de jovens entre 14 e 29 anos abandonaram a escola.
Escolarização dos jovens em queda
Além disso, a taxa de escolarização dos jovens de 15 a 17 anos caiu de 92,2% em 2022 para 91,9% em 2023, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. Essa queda pode parecer pequena, mas reflete uma tendência preocupante: cada vez mais jovens estão interrompendo seus estudos, o que gera impactos na economia e no mercado de trabalho.
Jovens sem ensino médio completo enfrentam mais dificuldades para conseguir empregos formais e, quando empregados, recebem salários com remuneração até 37% menor em relação aos que concluem a educação básica. O dado consta no livro “Consequências da violação do direito à educação", do autor Ricardo Paes de Barros.
Além disso, a falta de qualificação profissional reduz a produtividade do país, limita a inovação e perpetua ciclos de pobreza e exclusão social. O aumento da escolaridade é fundamental para os jovens realizarem seus projetos de vida, como revela o livro The Future of Productivity, publicado em 2015, pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O que é EJA e quais os desafios?
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino voltada para pessoas que não tiveram a oportunidade de concluir seus estudos na idade regular. No entanto, a EJA apresenta desafios como redução no número de matrículas, vagas e financiamento público.
Entre 2018 e 2022, as matrículas na EJA caíram 22%, passando de 3,5 milhões para 2,7 milhões, segundo a pesquisa "Juventudes Fora da Escola". Essa queda é acompanhada pelo fechamento de turmas: entre 2018 e 2021, o número de classes da EJA caiu 13%, passando de 137.144 para 119.625. Esse ciclo prejudica não apenas os estudantes que buscam a EJA, mas o próprio fortalecimento da modalidade de ensino.
Com esse contexto, passamos longe de atingir a meta 10 do Plano Nacional de Educação (PNE) que previa, pelo menos, 25% das matrículas da EJA integradas à educação profissional até 2024. Em 2023, esse número era de apenas 4,7%, segundo o Painel de Monitoramento das Metas do PNE.

A redução na procura pela EJA gera um efeito em cascata: com menos alunos, as turmas são fechadas, tornando ainda mais difícil o acesso para aqueles que desejam voltar a estudar.
Muitas vezes, jovens e adultos que desejam retomar os estudos não encontram vagas ou informações disponíveis de onde estudar.
Nova EJA do SESI
Quem não concluiu seus estudos em idade regular pode se matricular na Nova Educação de Jovens e Adultos (EJA) do SESI, que é 100% gratuita.
Com uma metodologia inovadora reconhecida pela Unesco, a Nova EJA do SESI apresenta taxas de conclusão superiores às da rede pública. Enquanto 70% dos estudantes da EJA no setor público abandonam os estudos, no SESI a taxa de aprovação é de 71%. Com 317 escolas distribuídas em 26 estados e no DF, você pode encontrar uma escola SESI mais perto de você aqui no site.
A Fundação Roberto Marinho conversou com Wisley Pereira, Superintendente de Educação do SESI Departamento Nacional, para falar sobre os desafios e a importância da EJA no Brasil e caminhos para oportunizar uma educação mais acessível, sem deixar nenhum para trás.

Fundação Roberto Marinho: Com a queda nas matrículas desde 2018, quais políticas públicas ou iniciativas privadas poderiam ser implementadas para reverter essa tendência e incentivar mais jovens e adultos a concluírem a educação básica?
Wisley Pereira: Para enfrentar esse desafio, é essencial adotar metodologias que considerem a realidade de jovens e adultos a partir dos 18 anos, incluindo a flexibilização das formas de oferta, dos ambientes de aprendizagem e das modalidades de ensino. Além de ofertar a EJA Profissionalizante, o SESI conta com o Reconhecimento de Saberes (RDS), metodologia que possibilita não apenas a valorização dos conhecimentos prévios como também a finalização em menos tempo da trajetória educacional. No Brasil, temos um contingente de pessoas sem educação básica equivalente à população da Itália ou da França, o que impacta diretamente a economia e a segurança social. É necessário um olhar assertivo para essa parcela da população, pois a mesma abordagem aplicada a adolescentes não pode ser utilizada para jovens e adultos, cujas relações sociais estão mais ligadas ao trabalho e às responsabilidades da vida adulta. A exigência de presença física superior a 70% é um equívoco.
No Brasil, temos um contingente de pessoas sem educação básica equivalente à população da Itália ou da França
Wisley Pereira
Fundação Roberto Marinho: Como a pandemia impactou a EJA?
Wisley Pereira: A Pandemia afetou significativamente a EJA no Brasil principalmente no que tange ao aumento da evasão escolar, aos desafios do ensino remoto, às desigualdades regionais e sociais bem como à diminuição das matrículas. Quando olhamos para o SESI tivemos a vantagem de ofertar a modalidade EaD desde 2016, por meio de uma metodologia sólida e bem difundida em âmbito nacional. Desta forma, envidamos esforços nas estratégias de captação de estudantes e criação de meios alternativos para os encontros que antes eram presenciais e devido ao cenário pandêmico foram suspensos. Para tanto, criamos salas de aula no TEAMS e no WhatsApp para manter o vínculo com o estudante e possibilitar a continuidade dos estudos. Enfatizamos que a exigência de presencialidade absoluta para esse público tira o direito e o acesso à escolarização, pois não considera a flexibilidade necessária para quem precisa conciliar trabalho e estudo. Um trabalhador pode aproveitar seu momento de deslocamento e outros momentos para estudar.
Fundação Roberto Marinho: Com o aumento expressivo de matrículas na educação especial e a maior inclusão de estudantes em classes comuns, quais adaptações ou estratégias o SESI tem adotado para garantir acessibilidade e qualidade na EJA para pessoas com deficiência?
Wisley Pereira: O sistema de ensino do SESI é pensado para ser inclusivo, com materiais didáticos adaptados e gamificados. Incorporamos vídeos interativos e acessibilidade digital, incluindo Libras. Além disso, temos parcerias, como a da Microsoft, para incorporar Inteligência Artificial, permitindo comunicação por voz ou por escrito. Destacamos, ainda, que nossa metodologia preconiza a organização de itinerários formativos personalizados, por meio do Reconhecimento de Saberes, permitindo assim que cada estudante desenvolva as competências e habilidades ainda não desenvolvidas e que os professores planejem estratégias personalizadas considerando o perfil desse estudante. Nosso objetivo é garantir uma inclusão temporal, adaptando o aprendizado ao ritmo e às necessidades de cada estudante.
Fundação Roberto Marinho: O SESI tem adotado metodologias inovadoras ou parcerias com o setor produtivo para tornar a EJA mais atrativa e alinhada às demandas do mercado de trabalho? Como essas estratégias podem contribuir para aumentar as matrículas e a conclusão dos cursos?
Wisley Pereira: Sim, hoje, a EJA do SESI está presente em 25 dos 27 estados brasileiros. Além da flexibilidade na forma de oferta, as metodologias inovadoras e parcerias com o setor produtivo tornam a EJA (Educação de Jovens e Adultos) mais atrativa e alinhada às demandas do mercado de trabalho. Essas estratégias buscam não apenas aumentar as matrículas, mas também melhorar as taxas de conclusão dos cursos. Para isso temos a EJA Profissionalizante, onde o SESI é responsável pela elevação da escolaridade, e o SENAI oferece cursos de qualificação profissional alinhados ao perfil do estudante e às necessidades do mercado de trabalho.
Temos parcerias com instituições como FGV e Seduc-SP, alcançando mais de 110 mil matrículas em todo o Brasil. Aqueles que tiverem interesse em receber uma dupla certificação é só procurar a unidade do SESI mais próxima e se matricular.
O SESI está transformando a EJA em uma porta de entrada para o mercado de trabalho, tornando-a mais relevante e atrativa. Se expandidas, essas estratégias podem ser um modelo para a educação pública brasileira.
Fundação Roberto Marinho: Como funciona a EJA do SESI?
Wisley Pereira: A porta de entrada na EJA do SESI é o Reconhecimento de Saberes (RdS). Nossos estudantes passam por um processo diagnóstico onde o professor, por área de conhecimento, reconhece, valida e certifica os conhecimentos adquiridos nas experiências de vida e de trabalho. Após essa etapa, os estudantes desenvolverão, no Ambiente Virtual de Aprendizagem do SESI, o AVA SESI, as competências que não foram certificadas no RdS e para isso contarão com um material didático autoral, colaborativo, elaborado com base na matriz de referência curricular do SESI e que sua estrutura permite a organização dos itinerários formativos individualizados, atendendo assim aos diferentes perfis dos sujeitos da EJA. Nossa oferta tem como premissa o estudo personalizado e flexível, permitindo aos estudantes a conclusão do ensino fundamental em 18 meses ou menos e no Ensino Médio até 12 meses.
Quando o estudante opta pela EJA Profissionalizante, além da formação básica, ele também poderá conquistar a certificação em um dos mais de 40 cursos que compõem o portfólio da Qualificação Profissional.
O primeiro passo do estudante é passar por um diagnóstico que reconhece, valida e certifica conhecimentos adquiridos ao longo da vida e do trabalho.
Wisley Pereira
Fundação Roberto Marinho: Qual é o impacto da EJA do SESI na educação de jovens e adultos no Brasil?
Wisley Pereira: A EJA do SESI traz em seu cerne elementos essenciais para subsidiar a elaboração de políticas públicas voltadas para esse público. Nesses quase 10 anos de execução da Nova EJA foram atendidos, aproximadamente, 400 mil estudantes, com taxas de aprovação de 78%, em média, diminuição do índice de evasão de 35% para 17%, único projeto de EJA, no Brasil, com material didático autoral e participativo, e com metodologia de Reconhecimento de Saberes endossada pela UNESCO.
No ano de 2024, 966 estudantes da EJA SESI foram aprovados em Universidade Federais com nota média de 600 pontos, no ENEM, e 93% dos concluintes conseguiram inserção no mercado de trabalho. A EJA do SESI se destaca ainda por sua metodologia flexível, currículo estruturado por área de conhecimento, trabalho com foco no desenvolvimento de competências e habilidades, aplicação do Reconhecimento de Saberes, o que possibilita a organização de itinerários formativos personalizados. Nosso público majoritário ainda são os adultos com 31 anos ou mais, que correspondem a 55,2% dos estudantes de toda Rede. Pensando nisso, oferecemos a EJA Profissionalizante que apoia o estudante em sua inclusão produtiva.
Se o SESI fosse um estado, seríamos o quarto maior em número de matrículas do país. Considerando o cenário Brasil, depois das Redes Estaduais de Educação somos a maior Rede do país em oferta de EJA. Com base em todos esses resultados e elementos entendemos que a EJA SESI tem uma das metodologias inovadoras mais exitosas do Brasil e poderá inspirar a elaboração de políticas específicas para os jovens e adultos.
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